Capítulo Dois: Copiloto

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Verônica Santolini

Sábado, 10h48, São Paulo, Editora da Revista Main Thing

"Estamos ao vivo do aeroporto de Guarulhos, aguardando a chegada de Lyra Alencar. Os fãs estão fora de controle, temos placas, câmeras, flores, todo tipo de coisa para receber a atriz em terras brasileiras depois de tanto tempo fora."

"Oh, aquela bruxa se deu muito bem. Que vergonha! Será que ninguém falou pra.ela que ela está uma FUBANGA com essa roupa? É horrorosa!"

A competitividade no ramo jornalístico é tão real quanto num campo de futebol. Uma verdadeira corrida de tabloides, eu diria, uma guerra fria que pode esquentar a qualquer momento, principalmente num lugar tão promissor como este.

Esta é a Revista Main Thing, que, por sua vez, não se limita apenas aos veículos midiáticos escritos, também ascende seu nome com um dos canais mais assistidos da TV brasileira. Um sucesso de audiência. Este lugar é o céu dos jornalistas e repórteres, estar aqui é como um ingresso a uma nova classe social, um título de nobreza ou uma carta de indulgência bem cara.

Uma das nossas colegas foi escalada para cobrir a transmissão ao vivo durante um dos nossos programas de melhor audiência. Como pessoa, posso dizer que todos aqui são excelentes profissionais formados e dedicados à comunicação. Como jornalista e, de certa forma, concorrente, concordarei com Pietro: Ela é asquerosa!

Todos estavam atentos à transmissão na televisão, mordendo a borda dos copinhos descartáveis de café e proibindo as pálpebras de fecharem-se, ainda que por um milésimo, sobre seus olhos vigilantes. Obviamente, todos ali estavam aguardando por uma pequena falha que levaria a moça a sair do quadro de repórteres do programa e deixar a vaga livre para algum deles. Não é à toa que todos estão sempre bajulando e tecendo elogios densos e calorosos à editora-chefe Nina Wilton.

Se a Main Thing é o céu, Nina Wilton é Deus.

Ninguém é bobo o suficiente para querer ser mal visto por ela ou algo do tipo, na verdade, esse é o medo de cada um dos que compartilham ambiente com ela, a Poderosa, Implacável e Insuportável Nina Wilton.

Pietro Monteiro é o fiel escudeiro dela e também meu "aminimigo". É de lua. Um homossexualzinho venenoso, soberbo e carismático, com excelente senso de moda. Foi ele quem deu a "voz da verdade" quando viu a repórter na TV e será o primeiro a dizer como ela foi fantástica quando a garota retornar ao escritório. Falso.

Há muito para fazer numa editora de revista às dez para as onze de um sábado diante do retorno de um dos maiores nomes do cinema brasileiro. Ainda mais há para falar sobre ela: Projetos futuros, entrevistas, fotos em pontos turísticos e, o melhor de tudo, boatos. E, abençoando-nos o destino, muitos boatos chegaram nas malas de Lyra Alencar e todos estamos famintos para caçá-los. Eram estes pensamentos que ficavam nas entrelinhas das minhas reportagens escritas enquanto eu considerava cometer algum tipo de atrocidade na temporada de caça que se aproximava com o retorno de Lyra ao Brasil. E são os exatos pensamentos que foram interrompidos com uma penca de papéis caindo ao meu lado na mesa em uma estrondosa colisão.

"Adivinha quem vai fazer a entrevista?" - Pietro lançou-se eufórico e tempestuosamente em escândalo.

- Você?

"Não, a patroa não deixou... Só porque meu óleo de cabelo não fez bem pro cabelo dela, que vaca." - Ele retrucou, dosando o óleo em suas mãos e acariciando os fios morenos tingidos com seus dedos.

- Deixa ela ouvir você falando isso dela, Pietro.

"Ela me adora, eu sou o único que faz café do jeito que ela gosta."

- Por isso ela não te mandou à entrevista, você é o garçom dela, não jornalista.

"Cala a boca, Verônica." - Ele sentou-se e soprou sobre o teclado um suspiro pesado e desdenhoso - "Essa papelada sobrou pra gente."

- E o que é? - indaguei tomando em mãos uma das folhas repletas de parágrafos justificados em Arial 12 no papel timbrado da empresa.

A ordem que nos fora dada não cabe neste enredo, foi um serviço bem chato que nos levou a tarde toda. No entanto, as horas que passei ao lado de Pietro renderam, no mínimo, boas fofocas sobre nossos colegas, os quais nem imaginam que temos conhecimento do que fazem e isso pode ou não envolver promiscuidades na sala de limpeza... Ademais, vez ou outra ele solta alguma singularidade dos dias da Srta. Wilton, como o fato dela tirar os sapatos quando está sozinha na sala e seu ceratocone grave, que logo fará com que ela substitua lentes por óculos, e algumas outras informações que deveriam morrer nos meus ouvidos.

Enquanto estávamos presos à papelada, a repercussão das últimas notícias estava à todo vapor e a demanda por novas manchetes estava levando nosso setor à loucura, especialmente os encarregados de investigar e, de tal modo, perseguir a rotina da atriz recém chegada.

Entre os rumores, havia um, em especial, que despertava interesse não só nos maiores veículos de comunicação da internet, mas até mesmo nas famílias brasileiras que consomem o que produzimos. O retorno de Lyra Alencar ao Brasil se disfarça na narrativa de promover seu mais recente filme que lançará em alguns meses e promete ser um de seus maiores sucessos para o público e para a Academia. Por outro lado, havia, no Brasil, algo que havia se tornado um potencial interesse da atriz carioca e que justificaria muito bem sua chegada pelo Aeroporto de Guarulhos, ainda que sua propriedade fosse no Rio de Janeiro. Lyra pode estar tendo um caso, um affair, um quase romance com Joaquín Piquerez, o jogador bonitão do Palmeiras, o qual, coincidentemente, mora em um condomínio de luxo em São Paulo.

Havia, porém, uma coisa que todos sabíamos diante dessas suposições: Estava cedo para concluir algo, mas na hora certa para procurar explicações e os mais corajosos não mediriam esforços para ter seus nomes na primeira matéria das editoras esclarecendo se o suposto romance seria verdadeiro ou não.

Foi no último papel em que me dei conta de que poderia ser uma oportunidade para mim também. Na verdade, seria esse o momento pelo qual tanto procuro incessantemente desde que passei na faculdade de jornalismo no ensino médio, se eu conseguisse, seria o turbilhão que minha vida necessita e, de repente, uma bela alavancada na minha carreira de jornalista.

Lyra Alencar não trouxe só roupas e boatos nas malas, trouxe também a minha oportunidade de ouro.

Licor de Menta - Richard Ríos, Joaquín Piquerez e mais.Onde histórias criam vida. Descubra agora