Capítulo Oito: A Primeira Classe

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Capítulo Oito: A Primeira Classe

Sábado, 22h07, São Paulo, apartamento de Joaquín Piquerez.

Lyra Alencar

Luz, câmera, ação! Corta, refaz! Cena Quinze, tomada quatro, ação! Maquiagem, retocar maquiagem! Cadê o elenco? Troca de figurino! Oh meu Deus, tragam um roupão! Impecável, magnífico, bravo!

E então, eu sorrio e me atiro no sofá do camarim, coberta pelo roupão macio, com meu nome bordado, o cabelo feito, a maquiagem derretendo e chinelos de vó me cobrindo os pés. Claro, isso também renderia uma foto fantástica, apesar de tanto.

Nessas horas, a recordação de noites de desespero e um pranto amargo e impotente sempre retornam para me lembrar das raízes mais profundas do sonho que cultivei: "Por favor, Deus, me faça a maior estrela que eles já viram."

Não era a Lyra Alencar implorando por sucesso naquele momento. Ela nasceu algum tempo depois uma borboleta renascendo de sua metamorfose. Quem pediu por esse sonho, quem chorou por esse sonho, quem sonhou esse sonho foi a Claudine de catorze, quinze... dezesseis anos. Nos sonhos alheios, médica, engenheira, empresária, juíza... Nos sonhos dela, atriz, diretora, cineasta.

Isso era o que eu queria. Eu desejava ser uma grande mentirosa dos palcos e das telas. Eu poderia ser médica, engenheira ou empresária, poderia ser uma assassina, uma coitadinha, uma bruxa, terrorista, uma Julieta, uma princesa ou, até mesmo, o sapo.

E como dizer isso às pessoas sem me tornar motivo de riso e piada?

Nossa, mas é bem ruim para arranjar emprego, né?

Ah, se você gosta...

Hummm, que coragem!

Ah, pelo menos você vai morrer de fome feliz!

Tantas piadas acompanhadas pelo senso irônico e maldoso de pessoas tão mal sucedidas... Algumas dessas jamais puseram os pés numa universidade.

E olhe para eles agora, Lyra, onde eles estão quando não estão nos cinemas comprando ingressos para ver seu sucesso de bilheteria? O que eles estão fazendo, Lyra, quando não estão comprando as revistas nas quais seu rosto estampa a capa e curtindo suas fotos e lendo suas entrevistas e te pedindo fotos e autógrafos? Claudine, o que eles estão fazendo quando não estão admirando quem você se tornou?

Isso me tira os sorrisos mais genuinamente orgulhosos e exultantes, ainda que haja, talvez, um fundo de prepotência. No entanto, é o sonho pelo qual, sozinha, escrevi num roteiro detalhadamente dramático e, agora, posso gravá-lo e fazer com que todos o vejam.

Pessoas como eu lutam sozinhas em suas guerras durante séculos reduzidos a poucos anos. Não temos eixos ou alianças, nem exércitos inteiros ou trincheiras, armas de fogo, invasões ou acordos diplomáticos que orem a Deus e ao Diabo por um cessar-fogo. Pessoas como eu são sobreviventes solitários e sonhadores em meio a um bombardeio de infâmia e desilusão de opositores cruéis e tão bem conhecidos.

Enfim. Não é bom contra-atacar?

E cá estou eu, de volta ao lugar o qual deixei sem olhar para trás. Alguns diriam que é um ninho, eu digo que é uma gaiola. Sair daqui foi um grito de liberdade e o vôo de esperança, embora eu tenha apenas me atirado para longe e aprendido a voar para não me espatifar no chão e ver meus sonhos morrerem junto de mim.

Brasil, sua filha voltou.

Eu sei que meu retorno movimentou as companhias midiáticas num nível exponencialmente gigantesco. Em poucos dias, tive entrevistas, ensaios fotográficos, posts, publicidades, uma verdadeira enxurrada de demandas que minha oferta mal pode cobrir.

Licor de Menta - Richard Ríos, Joaquín Piquerez e mais.Onde histórias criam vida. Descubra agora