08 - Pânico

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Neveah

Charlie atentamente analisava as páginas do meu caderno, com um olhar completamente indecifrável. Embora meu caderno de desenhos fosse provavelmente a coisa mais íntima minha que eu tivesse neste lugar, não sentia problema algum em deixar nas suas mãos para que olhasse. Não me sentia julgada, ainda que nem eu mesma entendesse porque desenhava aquelas coisas ou o que me motivava para tal, talvez o fato de eu justamente não conseguir ter uma interpretação clara deles não me tornava apavorada com a ideia de como ela veria as coisas obscuras que eu desenhava.

- Esses últimos desenhos, quando você fez eles? - ela pergunta.

- Ontem a noite. Antes de vocês chegarem.

Charlie passa os dedos em um olho, parecendo querer tirar um pouco da aparência de sono.

A loira dormiu por consideráveis 8 horas desde que anunciou seu noivado, mas acordou e me chamou porque sabia que hoje era dia de fazer terapia comigo. Ficou nítido em seu rosto que ainda não estava devidamente descansada, mas não conseguia protestar para que voltasse a dormir.

- Estava com raiva? Os traços parecem bem grosseiros.

- É... tive um dia difícil.

- Alguém em especial te deixou mal?

Não queria falar sobre esse assunto, mas eu estava em uma terapia justamente para falar dos meus momentos vulneráveis, então não seria produtivo omitir informações.

- Alastor - digo baixo e rápido, quase como se o nome dele tivesse a capacidade de me ocasionar algum mal se fosse dito lentamente. - Me lembrou que se eu estou no inferno, é por algum motivo. Eu só não sei qual.

Suspiro. Confesso que estou tentando fugir dessa pergunta, mas ela ainda está me perturbando. Não é possível que eu seja o único ser daqui que não tenha conhecimento das próprias atrocidades que fez para merecer passar o resto da vida aqui.

- Às vezes o Alastor pode... ser bem cruel quando quer, infelizmente. - ela se contrai no sofá, tentando me dar um sorriso. - Mas precisa se lembrar que no fim das contas, todo mundo erra, o que importa no final é o quanto se dedica para evoluir com isso.

- O ponto, Charlie, é que não tem como eu melhorar um aspecto meu do qual não faço a menor ideia de que está errado. - desencosto do sofá. - Como posso me arrepender e me render de algo que nem mesmo me lembro?

Ela desvia os olhos para o caderno.

- Bem, por isso estamos começando pelo processo de resgatar suas lembranças - ela vira o caderno para mim, em duas páginas específicas. - Isso me parece uma paisagem, e se embaçar um pouco a visão, o do lado parece um piano.

Aproximo minha cabeça para tentar visualizar nas folhas o que ela diz. Os riscos, embora de inúmeros tamanhos diferentes, pareciam de fato compor árvores, mas não havia um caminho, pareciam árvores em cima de um morro, com uma vista de longe da qual não consigo decifrar.

O desenho do lado se assemelhava a um quadrado deformado, mas que se olhado por outra ótica, realmente parecia um piano.

Desenhei isso antes de Alastor colocar o piano no quarto.

Como?

Eu tenho premonições agora?

- Merda - pego o caderno das mãos dela. - Eu tive um sonho com isso - encaro o desenho, o que faz ele ter ainda mais sentido pra mim. Como que não visualizei uma paisagem e um piano da primeira vez que o vi?

- Sonho?

- É, quer dizer - começo a dizer, tentando me lembrar do ocorrido. - Não sei se era bem um sonho, não cheguei a dormir de fato. Talvez fosse uma visão ou coisa assim... Mas Alastor fez aparecer um piano no meu quarto, assim que comecei a tocar, tive uma visão de um piano exatamente como esse.

My Hell Or Heaven? | Alastor & OCOnde histórias criam vida. Descubra agora