Jamais Casados

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MiauFMi

Música: Dancing Shoes (The Score)

— Eu nem queria mesmo… — Jael falou e saiu da sala, com uma mágoa infantil em suas palavras.

— Detetive! — Alguém detém — Vai pegar este caso?

— Primeiro vou pegar meu doce — Continua a andar pela casa —, porque o seu delegado não me deixou pedir para um de seus homens comprar — Anuncia em protesto — Estão todos parados mesmo, custava me fazer o favor?

— Ficar sem doces lhe causa estresse?

— Olha! Temos outro detetive aqui.

— Ah, bem, só sigo ordens, não tenho o seu talento…

— Foi ironia.

— É… — O policial fica sem jeito e deixa Jael ir, pois já tinham chegado na saída.

Pelas costas, o policial Maisciel observa Jael.

Vê um ser elegante usando um sobretudo, calças e botas, todos em tons marrons, já o seu cabelo preto, longo e ondulado, é preso em um rabo-de-cavalo. Umas mechas cobrem suas orelhas, o que emoldura o seu rosto, este de ângulos finos, com um par de olhos verde-água — “Conferindo-lhe um olhar… Ah! E aquelas maçãs na sua face, parecem prontas para colher”, Maisciel pensou, depois pensou no que estava pensando.

Fez uma careta, confuso, pois ele olhava para si mesmo: apenas um indivíduo comum, loiro dos olhos castanhos, uma pele pouco escura, além de seus ângulos meio quadrados, mas nada muito másculo, e um corte de cabelo normal. Jael devia ter 1,70 de altura, e ele só 1,64. Jael era detetive, e ele… uma ovelha negra, era como se reconhecia.

— Bem e mal não se misturam — falou para si.

— Ados! Terra para Maisciel Ados, aonde foi…

— Jael Castel? — responde ao delegado — Foi comprar doce, senhor.

— Mas se é possível! Tem um corpo morto à queima-roupa ali e Jael acha chocolates mais importante? Vou te contar, esses detetives particulares.

            . . .

Não teve outra: policial Ados se ofereceu para buscar “a criança”, pois ela resolvia casos com excelência e era um bem que o delegado não gostaria de perder, afinal, apenas por coincidência Castel estava visitando a cidade.

Numa rua arborizada, Ados a achou segurando uma sacola cheia de chocolates. Eles se encontram de frente, mas ele é ignorado. Maisciel, então, se põe no mesmo passo:

— Opa! — sorri, desajeitado — Friozinho hoje, né? Um chocolate quente ia cair bem.

— Já tomei — responde direto e se desvia de alguma coisa.

O que cai, na verdade, é um abacate, bem no pé do loiro.

— Ai! Você viu essa e não me avisou!? — Massageava onde doía.

Nesse momento, pensa ver um sorriso de canto em Jael:

— Entendi — diz ele, conformado — Vai ser uma maravilha trabalhar com você — ironiza.

— Eu adoraria iniciar uma conversa agora, se minha mente não estivesse ocupada com os fatos, e incertezas, do caso Queima-roupa da Rua Dark Rose.

— Ah, sim… Perdão?

— Está perdoado.

Maisciel, perplexo, pensa se adiantaria explicar que, quando alguém não pode conversar, se desculpa — e não o contrário. Todavia, pensa melhor, que essa falta de cortesia lhe conferia um charme, um ar de pessoa inalcançável, desejável, adorável.

— Vingança — Castel afirma, interrompendo os devaneios dele.

— O-oi? Vingança?

— Não me resta dúvidas de que o assassino matou por vingança — E morde um tablete de chocolate.

— O doce tá fazendo efeito? — pergunta, com um olhar astuto.

— Mas é alguém inexperiente — fala, a doçura ainda derretendo na boca — Não devia nem saber por onde começar, até achar um fornecedor de armas que lhe desse meio-conselho e encorajasse a fazer tal estupidez. Conheço esse cenário.

— Parece que já posso começar a escrever o relatório do caso. Amanhã pegamos o culpado, detetive mais incrível que já vi?

— Você até que é um cara doce — diz firme para disfarçar que não sabe reagir a elogios.

            . . .

Novamente, Maisciel se oferece para lidar com Jael, fazendo reserva num hotel. Ele, que trabalhava mas não morava ali, aproveita para pedir um quarto para dois.

Anoiteceu, ambos tomaram banho. O loiro vestia um roupão cinza, e Castel, o seu próprio, de cor marrom e mais longo que os normais, lembrava até o seu sobretudo.

Jael, de pé, folheada alguns papéis, talvez provas do caso, talvez só poesia.

Maisciel, sentado na cama, contemplava. Inquieto, resolve pegar seu rádio portátil e ligar na sua estação de música favorita, que tocava:

— You knew I’m not your type but still you let me stay
(Tu sabe que não sou seu tipo, mas ainda me deixa ficar) — Ele canta junto.

— Conhece a música?

— Sei a letra inteira, apesar de eu nunca ter sentido esse sentimento… ou o causado em alguém.

— Nunca desiludiu ninguém? Com essa sua falta de charme, não me surpreende.

Ele ri:

— Meu único problema é que eu não posso me comprometer — Então se levanta e, devagar, chega perto de Castel — E você, gosta desse som?

— Acho boa.

Enquanto Jael está de costas, ele se aproxima e continua a cantoria:

— I ain’t got no dancing shoes, but I can make you move
(Não tenho sapatos de dança, mas posso te fazer se mover).

— No que está pensando? — Jael se vira.

— Acontece que já encantei muitas senhoritas com meu charme…

— Tá, pare de enrolar. Fale logo! — Seu semblante se torna sério e acusatório.

— Certo — Se afasta — Confesso, fui eu que vendi a arma… é que eu ajudo as pessoas a se vingarem e-

— Ah, não, não — suspira — Disso aí eu já desconfiava! Eu quero que pare de fingir que não é tão inteligente quanto eu e diga logo se não tens… — Faz uma careta — sentimentos.

— Eu!? E você? — indaga — Eu nunca me senti encantado de volta… Claro, porque a gente é parecido.

— …

— Me escuta — implora — Eu planejava fugir de madrugada sem me despedir, mas, se eu pudesse…

Ele aproximou seus rostos e, sem ver hesitação no alvo de sua paixão, uniu seus lábios.

Assim, quanto mais se uniam, mais perto chegavam da cama, até se deitarem.

A música os acompanhava: Why do we always hurt the ones we love?
(Porque sempre machucamos quem amamos?)

Pela manhã, Jael se viu só, e um turbilhão de pensamentos lhe tomou: Sapatos de dança seriam a aliança, casamento, feridas, vingança. E constatou:

— Eu nem queria mesmo…

(Esse texto foi revisado e está entre os classificados )

Amor Impossível - Concurso Literário Onde histórias criam vida. Descubra agora