Jardim da Alma

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HidraMitologia

Música de inspiração: Let the world burn – Chris Grey.

A princesa Helena caminhava serenamente pelos largos corredores do Castelo de Agren, onde vivia a realeza e a nobreza da grande capital de Montéquio, observando com olhos penetrantes o próximo cliente da sua lista de vidência.  Era um homem alto, com pele morena e olhos castanhos, aparentemente desesperado.
Ela sentou-se no chão, ao lado oposto do freguês, e começou a embaralhar seu baralho de Tarot, seus movimentos eram ágeis e delicados enquanto ela movia as cartas de um lado para outro.
Helena sentiu a presença de uma aura maligna presente nas costas do homem, seu âmago estava infectado por forças diabólicas. Conjurando os poderes da carta “Morte”, ela abriu o véu entre o Imortal e o Mortal diante dos olhos do homem.
Concentrando toda a sua magia, Helena convocou a corporação de outros espíritos, fator que ela não ansiava realizar…
Os espíritos começaram a se materializar, seus contornos etéreos dançando ao redor do homem…
Ela virou a primeira carta que estava oculta. Era a “Torre”, um símbolo de colapso e caos na existência do rapaz.
O jovem recuou, temeroso pela magia de Helena.
— Blasfêmia! — Exclamou o homem, desgosto em seu olhar. —- Seus poderes pertencem ao Diabo!
O homem saiu correndo, os olhos exalando fúria, enquanto Helena o olhava com desapontamento.
— Senhor Alen, espero que pague minha conta! —- Pediu ela, desesperadamente. —- Tenho que almoçar!
Sozinha, Helena suspirou, guardando suas cartas de Tarot. A frustração pela reação de Alen foi logo substituída por um sentimento de solidão. Os espíritos que havia convocado se dissiparam, exceto por um. Uma figura translúcida, mais sólida e distinta do que os outros, permanecia no ar.
— Você não deveria estar aqui, — disse Helena, erguendo o olhar para a figura espectral. — Menelau…
—- Vim ajudar você, Helena. — disse o fantasma, sua voz ecoando suavemente pelo corredor.
Ele era alto, com olhos azuis penetrantes e uma presença que permanecia imponente mesmo na morte.
Helena o reconheceu. Era Menelau, um ladrão do reino que morreu durante uma perseguição militar há muitos anos. Ele era um espírito que aparecia frequentemente para ela, orientando-a e às vezes fazendo-lhe companhia.

Com o passar dos dias, Helena iniciou um debate sobre como era a vida após a morte e Menelau tratou de corrigi-la:
— A morte, minha cara Helena, é como o final de uma tempestade…— Contrapõe Menelau, em tom sério. —- A fadiga continua, a dor permanece…
Helena lançou-lhe um olhar e decidiu abraçá-lo, porém não sentiu nada, além do vazio rotineiro que cercava sua mente. Menelau permaneceu à sua frente, uma expressão triste em seu rosto espectral.
— Os sentimentos prosseguem, como o amor…— Afirmou Menelau, com tristeza ecoando em suas doces palavras.
Helena sentiu uma dor profunda no peito, uma dor que nem a presença de Menelau conseguia aliviar. A noite caiu sobre o castelo e Helena não conseguia se livrar da sensação avassaladora de vazio. Por mais que Menelau tentasse, não conseguia aliviar a angústia dela.
— Menelau, não posso continuar assim… — confessou Helena, com lágrimas escorrendo pelo rosto. — A solidão é insuportável e mesmo estando aqui, você está tão distante.
Menelau aproximou-se, o rosto cheio de dor e desamparo.
— Eu daria qualquer coisa para mudar isso, Helena. Para estar verdadeiramente ao seu lado. Mas o destino tem sido cruel conosco.
— Menelau, mesmo não conseguindo te ter por completo, mesmo você não estando aqui comigo, sempre se esforçou para estar ao meu lado, sempre cuidou de mim e digo que foi o único que nunca me chamou de feiticeira, portanto eu só tenho algo a te dizer, eu te amo mais do que a bruxa ama a magia, eu te amo mais do que o pecador ama o pecado, Menelau… Eu te amo!
Os olhos de Menelau emitiram uma luz que nunca surgiu diante de Helena. Seu rosto era agora uma careta de tão profunda felicidade e imortalidade. Ele se inclinou o máximo que pôde e esticou sua mão espectral para acariciar o rosto de Helena, mas nada sentiu.
— Helena, desde que me tornei apenas um espírito, meu amor por você não conhece as fronteiras entre vida e morte. Cada momento ao seu lado foi um presente; meu desejo é a própria razão de estar com você.
O tempo se passou, o inevitável aconteceu…
A população descobriu a existência da suposta feiticeira e foram condená-la à fogueira…
Menelau tentava impedir a população, mas sua forma espectral o inviabilizava de parar o avanço deles… Logo que as chamas se acenderam, a nobre Helena optou por aceitar o seu destino. Em suas últimas palavras, Helena balbuciou para Menelau, em meio às lágrimas:
— Eu te amo, meu cavalheiro.
De repente, Menelau começou a se transformar. Seu corpo espectral se desfez em cinzas.
O desespero de Helena alimentou uma fúria imensa em Menelau. Sacrificando todas as almas que Helena um dia havia evocado, ele criou um corpo material feito de puro fogo e ódio. As pessoas da cidade correram em pânico enquanto Menelau queimava tudo em seu caminho, espalhando destruição e caos. A cidade de Agren ardia em chamas escaldantes. Agren iria queimar, junto de sua amada.
Ao acordar, Menelau se viu deitado em um campo repleto de belas rosas vermelhas e azuis. Confuso e desorientado, olhou ao redor em busca de respostas, mas o que mais chamou sua atenção foi a figura de Helena, sorrindo ternamente para ele enquanto o segurava nos braços.
— Olá, Menelau.
Menelau olhou para Helena, seus olhos azuis brilhando com um misto de alegria e preocupação.
— Onde estamos?
Helena olhou para ele com tristeza nos olhos.
— Estamos em um lugar além deste mundo, onde podemos ficar juntos… Pelo menos, durante algum tempo.
Logo, a visão de Deus sobre aquele jardim se afastou, um campo pútrido e vulcânico se mostrou, almas gritando de dor e sofrimento, com uma tormenta de tristeza e caos infindável, esse era o inferno que Helena não podia habitar…
Ela começou a desaparecer, seu sorriso esmaecendo…
Menelau terminou na solidão eterna, sem a bela ilusão de sua amada.

(Esse texto foi revisado e está entre os classificados. )

Amor Impossível - Concurso Literário Onde histórias criam vida. Descubra agora