Capítulo Dezenove - Preciso que prometa

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Desde que havia chegado no Rio de Janeiro, Adele começou a observar a forma como as pessoas se comunicavam. Não conseguia entender muito do que falava – nada muito além de palavras parecidas como "muito", "fome", "doce", "sorriso" e "café" – mas Adele entendeu muito bem a junção de "secretária" e "Paloma" naquela conversa.

Era como se Adele ser secretária de Camila fosse algo absurdo ou até mesmo algo surpreendente.

— Fábio, para o carro. — sua chefe ordenou ao seu lado no banco traseiro da BMW. — Vamos dar uma volta a pé, Spinelli.

Adele encolheu os ombros ao olhar a noite nublada e fria que se formava sob sua cabeça.

"Se na entrevista de emprego tivessem me avisado que essa mulher era maluca, eu pensaria duas vezes antes de ter aceitado.", pensou, mesmo que fosse pura mentira. Ela precisa daquele salário. E verdade seja dita, a Macedier tinha um salário muito acima do salário do mercado e, se fizesse um bom trabalho, teria uma ótima carta de indicação em uma empresa de enorme peso.

— Camila. — depois de muito pensar, decidiu finalmente perguntar. — Quem é Paloma?

A mulher piscou rapidamente em confusão, mas logo entendeu.

— Ah, sim. As vezes esqueço que você tem o costume de escutar atrás da porta e pegar palavras chaves em uma conversa. — deu um sorrisinho de lado.

— Tenho que me esforçar para acompanhar sua vida.

Camila torceu os lábios para o lado e colocou a mão na base da coluna de Adele, forçando-a a acompanhá-la em sua caminhada.

Mandona até mesmo quando não estava mandando.

— Não há nada para ser acompanhado. Paloma é minha ex-noiva e não faz mais parte da minha vida.

— Ela parece importante.

— Ela foi, se chegou a ser a minha noiva é porque foi. — deu de ombros.

Depois dessa, Adele preferiu não dizer mais nada. A cada vez que tentava perguntar algo sobre a vida da chefe, recebia uma ordem que a punia ou uma patada certeira.

Se ela não queria falar, não deveria insistir.

Mas bem que ela queria.

— Você foi a única. — a chefe soltou de repente, tão abruptamente que Adele não viu o banco a sua frente e acabou batendo sua coxa ali.

Camila riu.

Um riso tão verdadeiro que nem parecia ser da Ordinária Macedo.

— Fui a única a quê? — esgotada e sem forças para continuar a caminhada, Adele se sentou no banco.

O riso da outra se cessou com a mesma rapidez com que veio.

— A quem eu transei mais de uma vez desde a minha noiva.

"Será que ela acha que isso é algum tipo de elogio? Eu deveria me sentir especial por isso?", Adele indagou a si mesma entre uma passada de mão e outra em sua perna para passar a dor.

— Acho que eu só... Estava disponível demais pra você. — deu de ombros, evitando olhar para a brasileira a sua frente.

O que não deu muito certo pois Camila se ajoelhou e colocou as mãos em seus joelhos.

Adele estremeceu, mas era claro que era por causa do frio.

— Não se diminua dessa forma, minha querida. Eu transei mais de uma vez com você porque eu quis, porque minha excitação por você não acabou em uma ou duas fodas, por mais que tenham sido muito boas. — fez uma pausa. Seus olhos escuros percorreram o rosto delicado da secretaria, como se todo o tempo do mundo fosse pouco para notar cada pequeno detalhe de beleza que ela possuía. — Adele, transei com você porque uma vez não foi o suficiente. E se me permite ser sincera, prefiro acreditar que aquela vez no meu quarto não tenha sido a última.

— Por quê?

— Porque sinto que não aproveitei o seu corpo o suficiente. — o carinho que fez nos joelhos da mulher de vinte e cinco anos foi castro, mas, para a surpresa da própria mais nova, desejou que sua mão subisse mais.

Sem uma resposta clara da secretária, Camila se sentiu estúpida ao pensar que poderia ter ultrapassado algum limite oculto que deveria haver.

— Você vai me demitir? — a pergunta veio em um fio de voz, tão baixa e tão rouca que Camila mal conseguiu escutar.

— O quê?

— Quando chegarmos na Itália, você vai me demitir? — antes que a chefe pudesse responder, ela se adiantou: — Eu sei o que acontece com todas as suas secretárias, Camila. Não é segredo para ninguém que você transa com elas uma única vez e depois as demite.

As palavras dela foram como um tapa seco em seu rosto.

Se ergueu e a olhou de cima.

— É assim que você acredita que eu sou? — de baixo, Adele conseguia ver os músculos da sua mandíbula flexionados sob a pele com a força que Camila estava fazendo. — Não demiti todas as minhas secretárias porque queria transar uma única vez com elas, Adele. Demiti-las porque todas elas se apaixonaram por mim, porque queriam algo que eu não posso... — parou e se corrigiu: — que eu não consigo dar para elas.

Adele se levantou, mas nem mesmo com todo o seu corpo esguiou conseguiu ficar na mesma altura que sua chefe. O topo da sua cabeça chegava apenas no nariz da mulher de trinta e dois anos.

Deveria dizer alguma coisa, mas não tinha certeza do que falar.

— A verdade, senhorita Spinelli, é que você me vê como uma megera, uma ordinária, por fazer o que eu faço, quando na verdade estou poupando todas elas do sofrimento hostil que é amar alguém que não consegue amá-las de volta.

As gotas grossas de chuva não eram o suficiente para tirar a atenção de Adele dos olhos escuros da chefe, como se tudo que houvesse entre elas estivessem mudando juntamente com a mudança de tempo.

Quando deu por si, viu que Camila retirou seu blazer azul-marinho e cobriu os ombros dela.

— Peça o que quiser, Adele. Pedras preciosas, roupas, propriedades, cartões de crédito, carros... Me peça o mundo e eu te darei. Mas não me peça amor, porque é a única coisa que eu jamais conseguirei te dar.

Os lábios delas estavam tão próximos que Adele conseguia muito bem ignorar a chuva que despencou ao seu redor.

Por mais que quisesse muito beijá-la, Camila não poderia deixar que Adele acreditasse que um dia seus sentimentos mudariam por ela ou por qualquer outra mulher.

Precisa ter certeza que seu coração estaria seguro, porque, de todas as mulheres que já passaram pela sua vida, Camila tinha certeza que o coração de Adele era o único que ela não se perdoaria se o partisse.

— Prometa que não vai se apaixonar por mim, Adele. Por favor. Eu preciso que você prometa.

— Não precisa se preocupar com isso.

E pela primeira vez, foi Adele quem deu o primeiro passo e tomou os lábios de Camila de uma vez por todas.

Foi ela quem a beijou.

Porque ela sabia que nunca se apaixonaria por alguém como Camila.

Disso tinha certeza.

Minha Chefe (Extra)ordináriaOnde histórias criam vida. Descubra agora