#4 Fósforo

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"Não podemos mudar o passado, mas podemos aprender com ele." — Dalai Lama



2 horas depois

Por que tudo sempre tem que ser tão complicado? Eu estava bem até tudo desabar de novo. Olho para o teto e vejo flashes do passado, de uma amizade que parecia inquebrável. Leo, o meu melhor amigo... o meu único amigo verdadeiro. Era como se fôssemos inseparáveis, duas metades de um todo. Passávamos horas juntos, explorando o bairro, inventando histórias, vivendo aventuras que só nós dois entendíamos.

Eu me lembro da primeira vez que fomos ao parque juntos, com nossos pais observando de longe. Nós dois construímos um castelo de areia tão grande que atraiu a atenção de todas as crianças. Você sempre teve um talento para chamar a atenção, para brilhar. E eu adorava estar ao seu lado, absorvendo um pouco da sua luz.

Mas então as coisas mudaram. Você mudou. Eu mudei. Todos mudaram, menos o fato de que eu sempre estive preso a você. Quando você começou a jogar futebol, eu estava lá na arquibancada, torcendo por você em cada jogo, orgulhoso de cada gol que você marcava. Mas, com o tempo, você começou a se afastar. Eu te via cercado de pessoas, admirado por todos, enquanto eu me sentia cada vez mais isolado, afundando nos meus livros e desenhos. Eu nunca gostei de esportes, nunca consegui me encaixar no seu novo mundo.

E aquelas provocações... no começo eram brincadeiras, mas depois, eram como facadas no coração. Por que você fez isso? Por que se voltou contra mim? Eu tentava odiar você, odiar cada palavra cruel, cada empurrão, cada insulto. Era mais fácil assim, mais fácil do que admitir a verdade. Você me chamava de nomes, me empurrava nos corredores, ria de mim com seus novos amigos. Eu fingia que não me importava, que não doía. Mas doía, e muito.

A verdade...

Droga, por que é tão difícil simplesmente dizer o que realmente sinto? Quando estávamos na sua casa, debaixo daquele cobertor, eu podia sentir sua respiração, seu calor tão próximo. Eu queria te abraçar, queria que aquele momento durasse para sempre. Mas não podia. Não podia admitir para mim mesmo que o que eu sentia por você era mais do que amizade. Tinha aquele dia na praia, quando você segurou minha mão para me ajudar a sair da água. Meu coração bateu tão forte que eu achei que você pudesse ouvir.

Eu enterrei esses sentimentos, afoguei-os na raiva e no desprezo. Mas agora, eles voltam com toda a força, me esmagando. Olhar para você, ver sua raiva, sua dor... isso me destrói por dentro. Eu sei que você me odeia. Mas o que você não sabe é que eu nunca consegui te odiar de verdade. Cada insulto, cada briga... era só uma máscara para esconder a dor de te amar.

Sim, amar. É isso. Por que eu não consigo simplesmente admitir isso? Você foi meu primeiro amor, e talvez o único. E agora, tudo está tão confuso. Eu quero te contar, quero que você saiba, mas o medo de ser rejeitado, de perder qualquer chance de consertar isso, me paralisa.

Olho para você dormindo, sua respiração suave no silêncio do quarto. Meu coração aperta, e eu sei que preciso ser honesto, mesmo que isso me destrua. Porque a verdade é que desde o momento em que te vi, algo mudou em mim. E mesmo com todas as brigas e mágoas, esse sentimento nunca foi embora.

Lembro-me daquela vez que você me defendeu no colégio, quando todos riram de mim por causa do meu projeto de ciência. Você foi o único que me apoiou, que disse que eu tinha feito um bom trabalho. Esse é o Leo que eu amo, o Leo que se esconde por trás dessa máscara de raiva e ressentimento.

Não, eu não te odeio, Leo. Eu te amo. E sempre amei. E por mais que eu tente negar, por mais que eu tente esconder, esse sentimento só cresce. E é por isso que tudo é tão complicado, tão doloroso. Porque amar você e te perder ao mesmo tempo é a pior dor que eu já senti.


✩✩✩


Deitado na minha cama, olhando para o teto do dormitório, minha mente não consegue parar de girar. Daniel. Como chegamos a isso? As lembranças do passado vêm à tona, e eu me sinto como se estivesse afundando em um mar de emoções contraditórias.

Quando éramos crianças, Daniel e eu éramos inseparáveis. Crescemos juntos, compartilhando segredos e aventuras. Lembro-me de quando passávamos horas na floresta atrás de casa, fingindo ser cavaleiros em busca de dragões e tesouros. Ele confiava em mim, e eu sempre estava lá para protegê-lo. Éramos irmãos de alma, ou pelo menos, era o que eu achava.

Mas então, a vida começou a mudar. Eu entrei para o time de futebol, fiz novos amigos, e de repente, as coisas que fazíamos juntos começaram a parecer infantis. Meus novos amigos zombavam de Daniel, o chamavam de estranho, e eu, querendo me encaixar, comecei a me afastar. O bullying começou como uma maneira de provar que eu não era como ele, que eu era "legal" o suficiente para ser aceito pelo grupo.

Foi uma decisão covarde, mas na época, parecia a única opção. Eu provocava Daniel, empurrava-o, fazia comentários maldosos. Cada vez que o magoava, sentia uma pontada de culpa, mas a necessidade de ser aceito pelos outros era mais forte. Quanto mais ele tentava se aproximar, mais eu o afastava. Eu me tornei o monstro que prometi nunca ser.

Então, veio o ensino médio e a separação final. Minhas notas me levaram a uma escola diferente, e pensei que seria o fim da nossa história. Nós nunca mais nos veríamos, e isso parecia um alívio na época. Sem Daniel por perto, eu não precisava confrontar a minha própria vergonha e culpa.

E agora, aqui estamos. No mesmo dormitório, na mesma faculdade. É como se o destino estivesse rindo de mim. Ver Olivia com ele hoje trouxe de volta todas aquelas memórias e sentimentos enterrados. E quando Daniel revelou que é gay... algo dentro de mim quebrou. Não era ódio o que eu sentia. Era algo mais complexo, algo que nem eu conseguia entender completamente.

Por que eu fiz isso com ele? Por que fui tão cruel? A resposta está lá, escondida em algum lugar entre o orgulho e a covardia. Eu tentei enterrar o passado, mas ele sempre volta para me assombrar. Agora, estamos presos nesse ciclo de ressentimento e culpa.

Eu não posso continuar assim. Preciso encontrar uma maneira de resolver isso. De nos dar uma chance de, se não for amigos novamente, pelo menos conviver em paz. A culpa pesa demais, e eu não sei por quanto tempo mais posso carregá-la.

Daniel, eu nunca quis te machucar. Nunca quis que chegássemos a isso. Eu só queria ser aceito, mas no processo, perdi a única pessoa que realmente se importava comigo. Como consertar algo que está quebrado há tanto tempo? Não sei, mas preciso tentar. Precisamos tentar.

 Precisamos tentar

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Lenha pra FogueiraOnde histórias criam vida. Descubra agora