10. Não posso viver com ou sem você

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Comecei a me levantar, mesmo com Charlotte sobre meu tórax. Sem compreender, ela se ergueu com o impulso que dei, com os cabelos desgrenhados. Me sentei à beira da cama e apoiei os braços na perna, sendo atingido pela velha comoção moral.

- Ben? Eu vou preparar algo para a gente comer, tudo bem? - disse ela com certa preocupação, era provável que soubesse o que estava por vir.

- Não se preocupe, eu acho que preciso de um banho antes.

- Então, quando você sair do banho, vai ter um belo banquete na sua cama.

- Obrigado, mas não quero que se esforce tanto por minha causa. - expliquei, me levantando. Ajeitei a calça.

- O que foi? Ainda está nervoso por causa da briga de ontem?

- Não mesmo, já passou. - respondi, sério.

- Então não gostou do que eu fiz agora?

- Na realidade gostei.

Ela estava sentada sobre o colchão, enquanto eu permaneci de pé, a fitando.

- Então você não está pensando em brigar, certo? - perguntou apreensiva.

- Não... eu me deixei levar. O erro foi meu.

- Não foi um erro.

- Tudo bem, eu não quero conversar sobre isso. Não vai se repetir. - digo, indo até o guarda-roupas e apanhando uma toalha.

- Como não? Achava que, agora, podíamos nos considerar quase namorados. Eu aceito você namorar comigo.

Virei-me para Charlotte, com a certeza que ela estava brincando. Me deparei com uma feição determinada. Minha irmã se dispunha a insistir.

Eu passei a mão pelo meu rosto, me perguntando o que eu havia feito para merecer isso. Como viveria num contraste tão brusco de sentimento? De um minuto para o outro, a amava e a odiava. Era desgastante ir do céu ao inferno a cada momento. Estava tudo fora de foco em minha vida, enevoado e confuso, carregado de culpa e imprudência.

- Charlotte... por favor. Não comece com isso.

- Estou falando sério, irmãozão. Eu nem tinha comentado com você, acho que agora é uma ótima oportunidade de falar: eu pedi transferência da hípica de Praga pra cá. Encontrei picadeiros e haras perfeitos na área rural daqui, de Estocolmo, pra treinar.

- Você o que?!

- Isso mesmo, eu transferi, já ajeitei tudo. Não é ótimo? Vamos morar juntos. Claro que, depois da nossa discussão de madrugada eu fiquei em dúvida se deveria, mas agora que estamos bem, eu diria, muito bem, então tenho certeza que não haverá nenhum problema. Imagine que, poderemos acordar juntos todos os dias, vai ser tão bom...

Eu fiquei estático apenas assistindo Charlotte falar. Minha paciência se esgotava. A cada instante era como se eu estivesse descendo escadas e perdendo um degrau, sempre uma nova paranoia ou desgosto indefinido.

- Eu não acredito que você fez isso.

- Credo, Benjamin, que cara é essa?! Era para você estar feliz! - reclamou nervosa.

Voltei para a cama, me sentando perto. Peguei em sua nuca, segurando com um pouco mais de força do que deveria, e a encarei severamente nos olhos. Não era um gesto afetuoso nem provocativo, não pretendia seduzir minha irmã. Era uma atitude rígida, de quem quase implora por compreensão.

- Charlotte, olha para meus olhos. Entenda, de uma vez por todas. Somos irmãos, não somos namorados.

Me encarou, como eu pedi. Eu vi no fundo de suas íris algo turvo como uma espécie de carência. Ela piscou duas vezes com rapidez e me dei conta que essa sombra que passou dentro de seus olhos grandes era na verdade um choro interrompido. Deu um sorriso cheio de mágoa.

Cry Little Sister || Bill Skarsgård ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora