11. Uísque e Solidão

519 36 5
                                    

- Eu vim

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


- Eu vim... me despedir. Você não esperou. - enfim eu disse, com a voz fraca, envergonhado e atormentado pelo meu comportamento.

Ela concordou com a cabeça.

- Preciso ir. - disse sem emoção, dando o primeiro passo para subir a plataforma dos corredores de embarque. Eu segurei seu braço, a fazendo parar. Não sabia o que dizer, nem o que fazer. Se pudesse me ajoelharia e pediria perdão, mas a vergonha era tamanha, de vir a bater o recorde de pedidos de desculpas. Portanto, fiquei calado e imóvel. Charlotte me fixava séria. - Estou indo. - repetiu numa voz apática.

- Eu... eu te amo.

Minha fraqueza me expôs como se estivesse agarrado à minha própria ruína. Ela não respondeu. Eu assisti uma lágrima perolada correr por seu rosto, que Charlotte secou com a mão rapidamente.

- Até breve, irmãozão. - despediu, ignorando minha declaração, e me fazendo soltar seu braço.

Charlotte entrou na plataforma e desapareceu de vista. A porta automática dos passageiros se fechou, e eu dei três passos para trás.

Minha irmã foi embora. Tudo se esvaia quando me dei conta da solidão que me encontrava, imóvel no aeroporto, como se a partir daquele momento eu meramente existisse, e nada mais além disso.

Ainda estático por uns minutos, comecei a cogitar a ideia de comprar passagens na pressa e pegar o mesmo avião, ou próximo para Praga, e reencontrá-la. Quase me preparava para fazer isso, quando com uma certa pontada de desgosto me recordei que eu não podia.

Eu finalmente consegui o que queria, afastei Charlotte, pela proteção dela e também minha. Agora, não teria como eu cair em tentação e ela encontraria alguém que a fizesse feliz, lhe desse filhos ou vivesse dignamente como um casal deve ser.

Desolado, voltei para o carro e retornei pra casa. Era inacreditável que eu tivesse vivido tantos anos sem a presença dela. O apartamento estava vazio e sem vida. Meus passos repercutiam junto de minha memória dos últimos dias, a cada passo que dava, em direção ao bar na sala de estar.

Sem pestanejar, tratei de beber várias doses de uísque, sentado à poltrona e contemplando a parede, esperando que ali abrisse um buraco para algum universo paralelo onde eu não sentisse culpa.

Pouco a pouco, fui agarrado por um estado de torpor que me manteve numa inercia de pensamentos. Me encontrava desistente de viver e numa pequena crise de existência.

Chega a ser ridículo, mas eu não me contive em adotar aquele clima moribundo que me encontrava para escrever uma carta pra Charlotte. Uma carta que talvez nunca fosse entregue.

Mesmo sem banho e sem me alimentar, passei o dia com o notebook em meu colo, onde eu digitava a carta, esclarecendo meus sentimentos. Estava me perdendo demais em minha embriaguez. E por consequência, enviei a carta ao e-mail dela, sem pensar direito.

Depois, larguei tudo, e tentei me levantar. Perdi o equilíbrio, quase caindo se não fosse por segurar por reflexo no braço do sofá. No entanto, todo meu último vestígio de sobriedade se findou e sem outra alternativa voltei a me sentar.

Apoiei a cabeça no encosto e suspirei, perdendo meus sentidos. Minhas pálpebras estavam pesadas e tudo me impelia a pensar em Charlotte.

Adormeci sem me dar conta. Não faço ideia de quanto tempo depois fui acordado pelo celular tocando, num solavanco pela surpresa, peguei o aparelho com desespero por pensar que fosse minha irmã, querendo falar comigo ao ler o e-mail. O universo pareceu pesar sobre minha cabeça. Um gosto horrível veio à boca, e piorou quando olhei no visor que não era ela.

Era Fedrik. A chamada insistia, enquanto eu tentava me ajeitar no sofá. Minha garganta estava seca e ardia, a luz me cegava. Um tanto transtornado, atendi.

- Ben? Que merda de e-mail foi esse?! - perguntou alterado.

- Fedrik... desculpa... - disse, e mal reconheci minha voz, estava três vezes mais grave. - Acho que mandei errado.

- O que aconteceu?? Você me enviou uma carta romântica, direcionada à sua irmã?!

- Estava bebendo, e escrevendo. Merda... Ignora, deleta, pelo amor de deus.

- Você ficou louco? Aquele dia na boate, você me chamou e depois desapareceu com Charlotte. Agora me envia esse negócio?

- Desculpa mesmo, Fedrik... - lamentei, com dores por todo o lado. - Eu errei de e-mail, e sinceramente, não estou nos meus melhores dias, eu achei que..

Fui interrompido:

- Pára de pedir desculpa. Acho que você precisa conversar.

- O quê...? - perguntei confuso.

- Estou dizendo que você precisa conversar. Quer que eu vá aí?

- Não. Meu apartamento está um caos e eu deplorável.

- Então, vamos nos encontrar naquele pub que tem na sua esquina. Acho que você precisa de ajuda.

- Eu não sei se vou conseguir andar.

- Deixa de ser dramático. Sem atraso, estarei lá te esperando.

Sem aguardar minha confirmação, ele desligou. Soltei o braço sobre a poltrona e o celular foi de encontro ao chão. Permaneci ali literalmente jogado, fitando o aparelho caído, envolto de vergonha por enviar o e-mail errado ao Fedrik, e pensando como seria meu dia seguinte sem o aroma do capuccino cremoso da Charlotte.

Enfraquecido e desajeitado, com os músculos travados, tratei de me levantar. Fui ao banho e me arrumei sem muita pretensão. Segui para o pub. Era por volta de dezoito horas de um dia cinza azulado, e o sol estava se pondo. Ainda sofrendo certa vertigem, olhei para cima e contemplei as nuvens pálidas sobre minha cabeça. Me questionava se minha virtude valia tanto assim.

Os primeiros ares gélidos da noite vinham contra minha face, me acariciando como se tentassem me reconfortar e me mostrar que não era para tanto. Eu poderia ver Charlotte, em breve... Ou melhor dizendo, sabe-se lá quando, e nada fazer.

Fedrik havia sido compreensível de marcar um encontro pra conversar, após ler aquele e-mail ridículo. Em menos de dois minutos cheguei no local. Uma mistura de aromas atingiu meu estômago em cheio, e só então percebi como estava faminto. Sentei ao balcão e pedi a primeira coisa comestível que vi, além de uma jarra enorme de suco.

Devorei e bebi com apetite. Fedrik ainda não havia chegado, e saboreei meu lanche com uma concentração maravilhada. Enquanto me empanturrava, ouvi uma voz suave de mulher:

- Ben Skarsgård??

Quando olhei, era Milena Olsson, uma fotógrafa que eu não via há algum tempo e com a qual eu já havia me envolvido no passado. Além da ressaca e o remorso, agora tinha que lidar com uma ex. Um tanto surpreso, limpei a boca com o dorso da mão.

Estava declarado meu fim, pois Milena possuía sentimentos por mim, e eu não faria nada, a não ser sorrir e tentar ser simpático.

Cry Little Sister || Bill Skarsgård ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora