SONHO

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10 de dezembro de 2134

Um lugar nevado, misturando céu e terra. Uma floresta de abeto-da-tundra, ao longe, é tudo o que se destaca. Nela, há um solitário lobo cinza. Seus olhos dourados me encaram, me chamando. Eu tento alcançá-lo, mas não consigo me mover. Mas eu quero. Eu preciso. Meu corpo inteiro pulsa em necessidade. E cada vez que eu não consigo, sinto uma dor violenta. Dói não conseguir alcançá-lo. Eu choro, e acordo.

O relógio marcava três da manhã. Ela estava me convidando para o outro mundo?

Através da janela, as luzes da cidade reluziam a chuva branda caindo em um emaranhado caótico, espelhando o caos em mim.

Ela que era um sopro de primavera no outono, mas conseguia ser o próprio inverno. Um ano sem ela. Um ano que os céus se entristecem, os ventos gritam suas agonias, a terra esmorece, e eu me entorpeço. Desde a morte dela, esse entorpecimento nunca me deixou.

Afastei os olhos da janela. Seria eu egoísta por ser infeliz, quando sei que muitos trocariam de lugar comigo? Suspirei e voltei a dormir.

Eu morava em um apartamento nos últimos andares na cidade de São Paulo, a Primeira Cidade. Eu nasci na Zênite, como chamam os andares superiores. Estando sempre nas alturas, era inevitável a queda destinada a mim.

Coloquei um pesado casaco preto, peguei o elevador e desci até a recepção. O andróide recepcionista, Andi, me desejou bom dia e retribuí. Passei pelo homem velho andando pelo átrio, Pavel, um engenheiro de andróides da Kokusai. Sempre que eu o via, o desejava bom dia, mas ele me ignorava com uma face inexpressiva.

Entrei no aérotrem na estação linha dourada, me sentando na janela. Abri a holotela para ver as notícias, como nada me chamou atenção, em vez disso, olhei para os edifícios imponentes que desapareciam milhares de metros nas nuvens e poluição, envoltos em espirais de aérovias, formando uma cidade vertical. 

Jardins verticais moldavam os andares superiores, adwares brotavam quando se menos esperava, seja de um novo modelo de andróide ou de uma nova proteína feita em laboratório.

Andei até o hospital, um edifício espelhado que refletia as cores neutras dos arredores. Na entrada, meu assistente andróide, Takashi, me cumprimentou.

Eu estava trabalhando em um nanodispositivo, batizado de CogniSynth, para acessar as memórias do cérebro humano nos voluntários. O dia parecia interminável, me fazendo viver cada momento agoniante até o último segundo. Lutei contra as lembranças de Maia incessantes que invadiam minha mente sem permissão, ignorando quaisquer limites.

Meu único desejo era encerrar o dia na vã tentativa de deixar meus sentimentos irem embora com um novo amanhecer. Talvez amanhã fosse mais fácil respirar.

Enquanto arrumei minhas coisas para ir embora no final do dia, Takashi chegou carregando um envelope largo nas mãos, etiquetado em uma escrita elegante e inclinada. Era a letra dela. — Isso chegou para você.

Minhas mãos tremeram e minha boca secou. Meus olhos arregalaram e meu coração acelerou, calando meus pensamentos com batidas insanas. — Obrigada. Pode sair.

No instante em que a porta fechou, rasguei o envelope.

Uma carta caiu, com um celular, um relógio e uma bússola. Girei nas mãos o celular vermelho dobrável obsoleto, então examinei o antiquado relógio de bolso dos anos oitenta e uma bússola dourada, junto de um papel com uma coordenada geográficas. O que aquelas coisas significavam?

Abri a carta. Meu coração apertou-se a cada palavra, e meus olhos inundaram com lágrimas. Mal segurei o papel enquanto lia:

Akiko,

Metade em ChamasOnde histórias criam vida. Descubra agora