CAÇADA

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Despertei com as batidas de Kiara na porta. Subconscientemente um pensamento atravessou minha mente, mas não dei atenção. Agora, porém, minha cabeça estava latejando enquanto pensava nisso. Havia essa pequena possibilidade...

— Posso ajudar a Alicia!

— Como assim? — Kiara perguntou.

— Desenvolvi um protótipo, CogniSynth, que se conecta ao hipocampo. Se ela responder a este software, há uma chance de se recuperar e prosseguir com o tratamento para Alzheimer.

No mesmo instante, Lyana entrou no quarto animadamente. — É verdade? Como podemos fazer isso?

Chamei Takashi. — Analise o histórico médico de Alicia e compare com os resultados obtidos até o momento na minha pesquisa. Caso haja uma compatibilidade de mais de 80%, me avise.

Ele respondeu em segundos. — A compatibilidade é de 87%.

Sorri largamente. Apesar de ter dois fatores determinantes, o tipo sanguíneo e a memória natural do indivíduo, o CogniSynth estava no estágio final e funcionava com segurança em pessoas com mais de 80% de compatibilidade com ele. Abaixo disso, eu ainda não tinha testado.

— Takashi, você e Lyana preparem a Alicia. — Entreguei o chip ao andróide. — Leva um dia para a preparação. Dois a três dias para a primeira sondagem.

Kiara cruzou os braços. — Certo, você é a médica aqui. Vou confiar em você... mas acessei o sistema de Takashi e sei que mesmo que a pesquisa esteja nos estágios finais, ainda não é segura. Se não der certo, o que poderia acontecer com Alicia?

— Nada vai acontecer com ela. O Alzheimer causa a morte dos neurônios no hipocampo. No estágio em que ela está, a doença comprometeu seus neurônios há muito tempo. Diferente de alguém saudável, que caso não sofram danos severos, podem vir a óbito.

Ela continuou ereta, me escrutinando, parecendo analisar minha alma. Sustentei seu olhar.

Kiara acenou em dispensa. — Tudo bem, se você diz. Qualquer coisa tô aqui.

Estava quase anoitecendo, quando Kiara se aproximou de mim. — Ei, você e Alicia são as únicas humanas aqui. Você deve estar com fome. Alicia come o que Lyana prepara. Podemos ir a algum lugar enquanto eles terminam seja lá o que estão fazendo.

Concordei e acompanhei ela.

Kiara me guiou pela cidade portuária, conhecida pelo comércio marinho. O cheiro predominante de peixe, água e metal serpenteava entre as barracas e casas laterais, que abarrotavam as ruas imundas e estreitas. As lojas de mecânica e robótica forneciam próteses de segunda mão para as pessoas, algumas ultrapassadas, com faíscas saindo das juntas. Uma alegria irrestrita dominava a cidade. Eu não sabia por que, mas quis fazer parte daquilo. Sorri, pensando que a vida era muito mais do que eu conhecia.

— O quê? Viu algo que gostou? É só falar — Kiara disse.

Passamos por várias barracas cheias de comida. Parei em frente a um lugar sujo que vendia espetos de peixe e batata frita.

— Hum, pode ser isso. Parece... — Olhei com mais atenção. — Apetitoso.

O dono era um homem grande, com roupas apertadas e dois braços robóticos enferrujados, os quais rangiam e soltavam fuligem conforme andava. Apesar dele parecer simpático, sua barba grande e desgrenhada continuava roçando na comida.

— Boa noite, camaradas. O que vão pedir?

Achando que era tarde demais para voltar e fazer a desfeita, engoli meu orgulho.

Metade em ChamasOnde histórias criam vida. Descubra agora