NETHERIA, O SUBMUNDO PAULISTA

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Nanopainéis replicando o céu, usando pigmentos fotossintéticos que criavam células solares e lunares, iluminavam as largas ruas de Netheria. Fachadas holográficas entre os edifícios diferenciavam a esquerda, centro e direita.

No Tentro, carros modernos enchiam as ruas e algumas aérovias, e os comércios de implantes, desde exteriores até tipos subcutâneos, lotavam as calçadas. Os olhos, cabelos e partes do corpo metamórficos das pessoas, com próteses cromáticas, refletiam a cintilância multicolorida dos adwares e hologramas florais. Os mercenários, comerciantes e andróides andavam despreocupados, mesmo aqueles com contratos em seus nomes. Estes tinham recompensas que chegavam a milhares de reais.

— Impressionante — sussurrei, observando a cena.

Algumas vitrines de lojas exibiam animais selvagens, alguns com próteses no corpo, e outras lojas... Pisquei. Aquilo era uma boutique de andróides strippers? Meu queixo caiu, e me encolhi diante do número de humanos e andróides se acariciando.

Constatei que eu nada sabia sobre o mundo.

Atravessamos uma avenida cheia de barracas de comida de diferentes países, as quais exalavam uma enorme combinação de cheiros. Chegamos a uma pedra da antiga São Paulo, que entalhava o marco zero da cidade, rodeada de mais comércios e hotéis. Vozes, propagandas e música se mesclavam em uma cacofonia.

— Temos que ver uma pessoa — sussurrou Kiara no meu ouvido.

Segui ela até um estabelecimento, Oásis Onírico, com uma fachada violeta, envolto de fumaça. Entrei, me sentindo em um tipo de sonho. Pufes e sofás se espalhavam pelo ambiente, e pessoas desinibidas, algumas até nuas, bebiam e chapavam, soprando vapores brilhantes.

Continuamos andando por um estreito corredor, com uma pintura de orgia que ornava ambos os lados da parede.

Kiara abriu uma porta sem cerimônia, e entramos em uma sala recheada de estantes, dois pufes e uma mesa. Gill, um ciborgue, estava sentado nela. Ele prendia seus cabelos loiros em um coque, e estava vestindo uma camisa expondo o tórax e uma calça rosa listrada.

Ele colocou os dedos nos lábios, nos olhando pelos óculos lilases pixelados. — Kiara.

Sentamos, e ela mostrou o holopasse para ele. — E aí, cara? Vou precisar de um Sentinil. Ela vai conhecer a Mãe ou o Pai pela primeira vez. Também preciso de informações sobre o contrato de treze milhões.

Ele soltou um longo suspiro. — O famoso contrato, é claro. Vamos primeiro ao Sentinil. Tenho aqui o que você... ou no caso, ela precisa. — Ele tirou um frasco pequeno com um líquido esverdeado de uma gaveta e entregou para ela. — Uma gota sublingual é suficiente. Sobre o contrato, você não veio até aqui para antecipar o prazo dos Aurums. Está aqui para rescindi-lo?

Kiara assentiu.

— O termo que a Mãe e o Pai colocaram para rescindir é matar o contratante.

— E quem seria...

Ele riu baixinho. — Acha mesmo que eles falariam? Se você quiser saber mais, fale com um deles. A Mãe tem horário semana que vem. Quer agendar um horário? — Ele pegou uma caneta e abriu um caderno grosso. — Ótimo, a Mãe pode te receber na segunda-feira às 17h30. Está agendado.

— Beleza. — Ela se levantou. — Valeu.

Ele nos fitou até atravessarmos a porta para sair.

— Vamos ter que ficar aqui até lá. — Kiara olhou ao redor. — Vamos dar umas voltas pra você se familiarizar com os arredores. Não precisa ser agora. Vou reservar um quarto para nós.

Metade em ChamasOnde histórias criam vida. Descubra agora