COINCIDÊNCIAS

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Kiara abriu a porta. — Lyana? Sou eu, Kiara.

Feixes solares vindo das frestas na parede e uma lamparina velha iluminavam os móveis de madeira, cheirando a mofo, mas razoavelmente limpos. Uma senhora idosa sentada em uma cadeira velha, vestindo um chalé verde, e olhando fixamente para a vista do cais, me chamou a atenção. Quem era ela?

Pousei meus olhos em uma moça vestindo um uniforme de enfermeira. Não, ela era uma andróide. Uma andróide Rhea. Seus sistemas eram programados com conhecimentos gerais de enfermagem e medicina.

— Ah, olá. Acabei de preparar o banho da Alicia. — Ela olhou rapidamente para a idosa, sorrindo tensamente. — No entanto, ela não está no melhor dia.

Kiara assentiu, demonstrando estar ciente da situação. — Essa é a Akiko.

Estendi a mão e sorri. — Prazer.

— Você é a médica?

Franzi a testa para Kiara, mas ela desviou o olhar. — Sou.

— Ótimo. Vou te passar o quadro da Alicia. Takashi é o seu assistente? Posso encaminhar para ele? — Lyana me perguntou.

Aceitei, um tanto confusa. Que clima estranho. Por que parecia que ela me esperava?

Lyana sorriu, ficando com olhos opacos por alguns segundos.

A resposta de Takashi veio em seguida. — Alicia Relaisse, 71 anos, nascida na França, em 13 de maio de 2063. Diagnóstico: estágio 3, quase 4 de Alzheimer. Perda de 82% do comportamento cognitivo.

— O quê? Como assim? — Suspirei em horror. — Alzheimer já tem cura. O que aconteceu?

Kiara entrou na minha frente. — Calma... vem cá, quero te mostrar uma coisa.

Engoli seco diante de sua encarada. Mesmo relutante, a segui. Que situação pertubadora era aquela?

Os móveis empoeirados do quarto revelavam que não era usado há muito tempo. Kiara abriu o guarda-roupa, mostrando pequenas vestes de cores e estampas infantilizadas. Então, pegou uma caixa, a colocou na cama, e sinalizou para eu sentar ao seu lado.

— Essa caixa é especial para Maia. Contém coisas que ela guardou, quando criança, e pediu para te mostrar. — Kiara a moveu na minha direção. — Por favor, veja.

Acalmando os ânimos, peguei a caixa com cuidado, como se fosse desmoronar nas minhas mãos. Era bem conservada, de madeira e sem fechaduras. Sem segredos para esconder.

Quando abri, quase engasguei com a poeira subindo e retomei o fôlego. Dentro dela tinha um papel que dizia, "Dia 1: hoje decidimos que vamos desbravar o mundo. Maia e Saymon." Peguei a fotografia que mostrava duas crianças: uma menina de cabelos brancos e ao lado dela, um menino com cabelos metade castanho escuro, metade branco. Atrás deles, uma senhora os abraçava. Provavelmente era Alicia, mais jovem.

Kiara passou a mão pelos cabelos. — Esse é o irmão mais velho de Maia, Saymon. Quando ele tinha sete anos, os mercenários o levaram para as Terras de Ninguém. Um ano depois, levaram Maia. Essa boneca... — Ela apontou para o brinquedo, e o peguei nas mãos. A pintura gasta mostrava uma réplica de Maia. — Ele deu para ela.

— Por que levaram eles? — Não consegui imaginar como alguém poderia fazer algo tão repugnante.

— É assim que as coisas são por aqui. Algumas famílias vendem suas crianças para os mercenários, já que eles pagam bem por elas. Outras nascem lá. É relativo. — Ela deu de ombros.

— Como assim? — Coloquei os itens de volta na caixa. Como ela poderia dizer isso a sangue-frio?

— Não sei todos os detalhes porque me conectaram com Maia quando ela se juntou aos mercenários. Só há uma pessoa que poderia te contar mais. — Ela olhou para a porta. — Mas você viu, ela está impossibilitada.

Metade em ChamasOnde histórias criam vida. Descubra agora