Capítulo 7 - Meus livros são uma parte de mim

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 Os dias passavam devagar sobre o toque da primavera, era tudo tão vazio sem aquele belo sorriso com caninos evidentes que marcavam levemente os lábios perfeitamente simétricos sobre o rosto imaculado adolescente. Taehyung odiava as primaveras sem a sua noona, mas ele odiava ainda mais aquela data tão marcante.

28 de novembro.

Esse era o dia que ele passou a odiar no calendário.

Os campos de cerejeiras não possuíam flores, e se resumiam a nada mais que ramificações tristes de galhos mortos e sem vida. Os pássaros não possuíam mais seu canto alegre entre as tardes amenas e pacatas da pequena vila interiorana, e os dias se tornavam ainda mais cinzas pela ausência dos raios solares. 

O tempo parecia ter parado desde que Scarlett havia partido para a guerra. Taehyung, com apenas nove anos, não conseguia entender completamente o que isso significava, mas sabia que ela não queria ir. Ele se lembrava claramente da noite antes de sua partida, quando ela o segurou firmemente e prometeu voltar. Os olhos dela, tão decididos e tristes, refletiam algo que ele não conseguia compreender, mas sentia no peito: medo.

Os meses sem Scarlett foram longos e cruéis. Os avós faziam de tudo para distraí-lo, enchendo a casa de brinquedos e doces, tentando manter sua mente ocupada, mas era impossível esquecer os sorrisos e a presença calorosa dela. Taehyung passava horas no quarto dela, escondido sob o cobertor que ainda guardava seu cheiro. Ele chorava à noite, abraçando o travesseiro com força, esperando que, de alguma forma, ela pudesse sentir que ele estava ali, esperando.

Ele não entendia porque ela tinha que ir. Scarlett era forte, era uma alfa, mas era também a pessoa mais gentil que ele conhecia. Ela o protegia, brincava com ele, e fazia com que o mundo fosse um lugar seguro, mesmo quando tudo parecia desmoronar. Mas agora, sem ela, ele se sentia sozinho, perdido, como se estivesse em uma floresta escura e fria, esperando por uma luz que não vinha.

Quando a notícia de que Scarlett estava voltando chegou, Taehyung não conseguiu conter a alegria. Ele correu pela casa, gritando o nome dela, e os avós apenas o olharam com olhos tristes, dizendo que ela precisaria de tempo para se recuperar. Naquele momento, ele não entendeu o que eles queriam dizer, apenas sabia que ela estava voltando, e isso era tudo o que importava. Ele correu até a janela todos os dias, esperando vê-la entrar pelo portão, esperando vê-la do jeito que lembrava: alta, forte e sorridente.

Mas quando Scarlett voltou, ele não pôde vê-la. Taehyung ouviu o sussurro das vozes adultas, ouviu o som dos passos pesados na entrada e o silêncio angustiante que tomou conta da casa. Ela estava lá, ele sabia, mas ninguém permitia que ele chegasse perto. Os avós diziam que ela precisava descansar, os pais de Scarlett murmuravam algo sobre “tempo para se curar”. Ele não entendia. Por que Scarlett não vinha vê-lo? Por que ela não o abraçava e dizia que tudo estava bem?

Na primeira noite, ele ficou acordado até tarde, espiando da janela do quarto, esperando que Scarlett aparecesse. Mas ela não apareceu. Na segunda noite, ele tentou escapar do quarto, andando nas pontas dos pés pelos corredores escuros, mas foi pego e levado de volta para a cama. Eles lhe disseram que não podia perturbá-la, que ela precisava de paz, mas Taehyung não conseguia acreditar nisso. Ele sentia falta dela, de uma forma que doía, e queria ver com seus próprios olhos que ela estava bem.

Uma semana depois, ele conseguiu. Viu um lampejo do rosto de Scarlett quando ela saiu brevemente no jardim, uma sombra rápida que desapareceu antes que ele pudesse chamar por seu nome. O rosto dela... estava diferente. Ele viu a cicatriz e sentiu uma pontada no peito, mas não foi de medo. Foi de dor. Ele queria abraçá-la, queria segurar a mão dela e dizer que não importava, que ele ainda a amava, mas ninguém o deixava chegar perto. Então ele começou a planejar.

Ele esperou até o silêncio profundo da noite, quando os avós estavam dormindo e a casa estava mergulhada na escuridão. Com cuidado, abriu a janela do quarto, desceu devagar pelo telhado até o jardim dos fundos e se escondeu atrás das sombras. Ele sabia que Scarlett costumava ir para lá à noite, porque a janela do quarto dela sempre estava aberta e ele a via olhando para o balanço vazio. Esperou com o coração batendo forte, tentando não pensar no que faria se ela não aparecesse.

Mas então, finalmente, ela veio. O corpo dela estava curvado, os ombros caídos, e ela andava lentamente, como se cada passo fosse uma luta. Taehyung conteve a respiração, os olhos arregalados enquanto observava sua figura se mover nas sombras. Quando ela parou perto da janela, olhando para o jardim com um olhar perdido, ele saiu de seu esconderijo, o medo e a saudade misturados em um impulso que ele não conseguia controlar.

— Noona! — ele sussurrou, a voz quebrando. Scarlett se virou abruptamente, surpresa, e os olhos dela se arregalaram ao vê-lo ali, tão perto.

Por um momento, ela ficou imóvel, como se não acreditasse que ele estava realmente ali. Mas Taehyung não esperou. Correu até ela, abraçando-a com força, o rosto enterrado em sua cintura, o coração batendo tão forte que ele pensou que fosse explodir. Sentiu o corpo dela tenso, mas depois, lentamente, os braços de Scarlett o envolveram, frágeis e tremendo, como se estivesse segurando algo que poderia se despedaçar a qualquer momento.

— Tae... o que você está fazendo aqui? — A voz dela era rouca, quase irreconhecível, e ele sentiu o calor das lágrimas dela caindo em seu cabelo.

Ele olhou para cima, finalmente vendo seu rosto de perto, e a cicatriz era ainda mais marcante do que ele imaginava. Cortava sua pele de forma cruel, uma linha vermelha que parecia gritar tudo o que ela havia sofrido. Mas Taehyung não desviou o olhar. Ele estendeu a mão, tocando o rosto dela com dedos trêmulos, enquanto as lágrimas desciam por seu próprio rosto.

— Você voltou... — ele sussurrou, como se fosse a única coisa que importava. — Eu esperei por você, Noona.

Scarlett fechou os olhos, e ele viu a dor estampada em seu rosto, uma dor que ele não sabia como aliviar. Mas então ela sorriu, um sorriso quebrado e hesitante, e Taehyung soube, naquele momento, que ela estava de volta. Não era a mesma Scarlett que ele conhecia, mas era ela. E ele a amava, com todas as suas cicatrizes e dores.

As noites seguintes foram um segredo compartilhado apenas entre os dois. Taehyung esperava até todos dormirem, então corria para o jardim, onde Scarlett o encontrava. Ela trazia um cobertor velho, e juntos, eles sentavam na grama, olhando as estrelas. Ela contava histórias sobre as coisas boas que ainda lembrava, histórias de quando ele era menor, de como ela cuidava dele quando ele ficava doente. E ele escutava, os olhos fixos nela, absorvendo cada palavra, tentando preencher o vazio que havia se formado em seu coração durante a ausência dela.

Ele nunca perguntou sobre a guerra, nunca perguntou sobre a cicatriz. Tudo o que importava era que Scarlett estava ali, ao seu lado, e, lentamente, Taehyung percebeu que ela estava curando, um pouco a cada noite. Ele trazia flores do campo para ela, escondidas no bolso do casaco, e ela sorria, guardando-as como se fossem os tesouros mais preciosos do mundo.

Com o tempo, Scarlett começou a sair durante o dia, caminhando pelo jardim com ele, ainda tímida e hesitante, mas estava ali. As cicatrizes nunca desapareceriam, ele sabia disso, mas também sabia que o amor que sentia por ela era mais forte do que qualquer dor, mais profundo do que qualquer marca. E isso, para Taehyung, era o suficiente para continuar esperando por ela, todas as noites, até que as estrelas finalmente brilhassem em um céu sem nuvens.

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