Hiato

1 0 0
                                    


Há muito não sabia o que era prazer, nem alegria, nem mesmo dor.

Estava vivendo os dias de forma automática: deixando-os passar como a areia que escorre por entre meus dedos.

Desconhecia o interesse, e nada conseguia ser interessante a ponto de me atrair e me prender.
Meu corpo se tornou uma casa vazia; o que um dia foi uma mansão, tão de repente tornou-se casebre.

Encontrava pessoas pela rua, conhecidos, antigos amigos, vizinhos, e todos sempre faziam mesma pergunta.

- Você está bem?

Eu poderia tentar explicar como me sentia, dizer que não conseguia sentir os pequenos prazeres da vida que um dia já havia sentido, mas não acho que se importariam verdadeiramente. Talvez, essas perguntas de praxe, eram apenas "convenções sociais" as quais as pessoas praticam para se livrar de uma consciência acusatória sobre se importar com o outro. Mas no fundo, ninguém dá a mínima.

Minha rotina estava sendo a mesma fazia um bom tempo, e nem sabia há quanto tempo pra falar a verdade. Eu só me levantava, saía e via as mesmas pessoas nos mesmos lugares fazendo as mesmas coisas, então voltava, tomava banho e comia algo antes de dormir, mas tudo isso por mero hábito.

Quando mais nova, acreditava que morar sozinha me faria alguém realizada, pois eu teria o meu espaço, a minha privacidade e não haveria alguém sequer para controlar a minha vida. Seria apenas eu, minhas escolhas e as consequências.

Porém, me enganei nisto também, afinal, a vida adulta pode até ser uma grande e difícil fase a se enfrentar, só não fazia ideia de que seria um campo minado e cheio de inimigos, onde a solidão não por opção, seria a minha maior companheira e também, minha grande vilã, por um grande tempo.

Certa vez, ainda quando criança enquanto tinha os pensamentos de que morar sozinha seria como eu via em minha imaginação, ouvi que ninguém havia sido feito para permanecer sozinho, embora a solidão fosse algo necessário mas apenas como uma fase na vida de todos. Bom, acreditei que a minha fase era na verdade um looping.

As pessoas costumam dizer que, antes de morrermos, toda a nossa vida passa diante dos nossos olhos, acho que funciona assim também quando ainda em vida, precisamos morrer em determinada situação.

Foi exatamente o que aconteceu comigo ainda no ensino médio. Até então, tudo costumava ser bom e único, eu tinha amizades das quais custei a superar o fim, tive um breve romance com um alguém, que também de presente me deu algo péssimo para superar, e a minha família, que era unida e feliz.

Semanas antes da minha vida virar de cabeça pra baixo, eu contemplava as boas memórias que havia vivido como se fosse um filme em minha cabeça. Podia ver e até mesmo sentir as emoções que tais situações que vivi, um dia me proporcionaram. E dessa forma, o tempo passou sem que eu percebesse que estava indo embora.

Começou quando recebi um bilhete secreto em meu armário da escola:

"ENCONTRE-ME NO GINÁSIO APÓS A AULA DE QUÍMICA!"

Lembro do frio que senti no abdômen quando li, parecia até que, pelo nervosismo que estava sentindo, eu já sabia o que encontraria.
Mas quando cheguei ao ginásio, eu ainda mantinha uma certa esperança de não ser algo desagradável, embora estava pensando em mil e uma coisas que poderiam ser, e como eu reagiria a cada situação que havia pensado.

Essa esperança foi embora, dando espaço a mais frio no abdômen, quando vi umas sombras debaixo da arquibancada.

Minha melhor amiga, meu namorado, juntos, transando, bem ali debaixo da arquibancada, como se não houvessem regras na escola ou, como se não houvesse eu e meus sentimentos.

Revie: Anastásia Onde histórias criam vida. Descubra agora