Reencontro e Despedida

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Meus dias ainda não eram completamente felizes, e também não havia encontrado o prazer absoluto, mas também já não estava na mesma etapa que estive por tanto tempo, uma etapa morna, sem sensações nem emoções, apenas com a certeza dos dias passando e demorando tanto para se completarem.

As vezes eram uma tortura.

Aos poucos estava conseguindo não só organizar minhas ideias e projetos, como também estava conseguindo conciliar minhas rotinas e minhas vontades.

O que era tão difícil pra mim, acabou se tornando bons hábitos dos quais hoje não abro mão: correr, visitar lugares, ir à museus e parques, ler meus livros favoritos em uma cafeteria próximo ao meu prédio, sentar na praça e assistir crianças brincando, pombos voando e pousando. Coisas básicas do dia a dia se tornaram espetaculares, e vencer à mim mesma diariamente estava se tornando um prazer.

Quando concluí o meu curso, demorei um pouco em conseguir um bom emprego na minha área, mas consegui.

Em um ano, abri meu escritório e com minha própria equipe, realizávamos bons trabalhos em favor da empresa.

Não estava rica ainda, mas já era independente de patrões, empregos ruins e principalmente dos meus pensamentos que me subjulgavam e me faziam acreditar que eu não iria conseguir.

Meus dias estavam cada vez mais vívidos, e até mesmo no inverno, me sentia aquecida por uma boa sensação dentro de mim. Meu contato com a minha se tornou mais frequente, e surgiu entre nós uma amizade de mãe e filha, mulher para mulher, que eu nunca imaginei alcançar um dia.

Aquela mulher que havia me dado à luz, e que (o que parecia em outra vida) outrora vivia em pé de guerra com o meu pai dentro de casa, tornou-se uma mulher completamente diferente da qual por anos existiu em minhas lembranças.

Mesmo diferente, mais madura e ao mesmo tempo mais jovial, sempre falava de sua saudade de meu pai, comentava o quão era feliz antes de muita coisa desandar e do quanto estava arrependida por deixar seu casamento ruir.

-Se eu tivesse sido um pouco mais sábia e paciente, minha filha, seu pai ainda seria o meu marido, o homem lindo e gentil que conquistou meu coração no colegial.
dizia ela, sempre com o mesmo brilho misturado com uma esperança longínqua em seu olhar.

Com o passar do tempo e com tanta frieza da minha parte, não só me afastei da minha mãe e de mim mesma, como do meu pai. Há tempos não sabia sobre notícias suas, e sempre que pensava em ligar, uma certa vergonha por tê-lo posto de lado em minha vida, aparecia e me esmurrava com muita força.

Numa noite fria, enquanto voltava caminhando do escritório para minha casa, encontrei um senhor bêbado sentado na calçada ao lado de uma loja de conveniência. Me abaixei próximo a ele para lhe dar algumas moedas como esmolas, mas logo percebi que conhecia o homem por baixo de toda aquela barba branca.

O homem que um dia tanto prezou por sua aparência, estava ali, jogado em uma calçada suja, com roupas sujas, completamente bêbado, ao lado de uma garrafa alcoólica.

- Pai? Consegue me ouvir?

Depois de muito tocá-lo e perceber através dos seus roncos que estava num profundo sono causado pela bebedeira, chamei um táxi que me ajudou a colocá-lo não somente dentro do carro, como também em meu apartamento.

Ao ver o meu pai, deitado em meu sofá, completamente apagado por estar tão bêbado, eu chorei. Chorei de tristeza e raiva, não dele mas de mim, de ter permitido que minhas escolhas imprudentes fizessem ele ter tais consequências. Não consegui dormir a noite inteira, permaneci ali ao lado dele, observando-o e imaginando tudo o que ele pode ter sofrido em todo aquele tempo que me procurava e buscava de mim notícias, e só recebia frieza e desprezo. Meu pai não merecia nada daquilo, no entanto eu o esqueci.

Quando ele acordou, pela manhã bem cedo, se assustou ao perceber que não estava em um lugar conhecido. Mas quando me viu, sentou e pôs-se a chorar.

- Você não deveria me ver assim, minha filha! Olhe para você. Se tornou uma mulher linda e tão elegante, não merece um pai assim, indecente e sujo em seu sofá, sujando sua mobília.

Aquelas palavras me foram de grande amargor em minha alma, pois eu sabia que a verdadeira culpada havia sido eu, e ele ainda pensou estar sujando minha mobília.

Suas palavras me fizeram chorar e implorar por seu perdão, porquanto ele também pedia o meu perdão.

Não imaginei que o encontraria daquela maneira, nem naquele estado. Sentia meu coração extremamente ferido e muito triste, mas não o culpava de maneira alguma, e por ele estar ali comigo, ter comido da minha comida, e ter me permitido fazer sua barba e cortar o seu cabelo, já me eram o suficiente para me dispor a me perdoar também e esquecer que um dia fui tão egoísta e infantil em ligar somente para as minhas dores e sofrimentos, como se ele ou a minha mãe também não houvessem sido vítimas das circunstâncias as quais vivemos em pura agonia.

Depois de desmarcar algumas reuniões do dia, passei horas incríveis com o meu pai, o que fizeram um dia produtivo e super agradável, ao lado do homem que me levava para a escola, comprava balões e algodão doce no parque para mim, que quando conheceu o meu namorado do ensino médio, fez aquelas ameaças típicas de pai para proteger sua filha.

Caminhamos pelo parque, e vemos algumas crianças brincando, correndo e conversando com os seus pais, e foi como se desbloqueasse memórias afetivas na gente. Tomamos sorvete de casquinha, falamos sobre todos os assuntos que conseguimos, e literalmente nos conhecemos de novo. Aquele de fato era o meu pai.

Fomos até a casa dele e quando chegamos, reparei que onde ele vivia, por muito tempo foi reflexo de como ele estava por dentro: escuro, bagunçado e com muita tristeza.

Pela casa haviam garrafas e latas de bebidas, cinzeiros com muitas bitucas apagadas, a televisão ligada passando esportes, janelas fechadas, e a cozinha? Um completo caos.

Ele se desculpou pela bagunça que eu estava presenciando, mas não me importei com aquilo, e antes de sair de lá, o convidei para um jantar em minha casa, o qual planejei ter tanto ele quanto a minha mãe comigo, em uma reunião de família.

Voltando para casa, passei pelos mesmos lugares onde havia passado com o meu pai, lugares esses que costumava andar sem sua presença, e mais uma vez foi como se o mundo tivesse adquirido mais uma nova película, e consequentemente mais cores, então em questão de horas o que era tão costumeiro, agora era algo novo, novas lembranças e novos motivos para me lembrar dali.

Naquele início de noite, cheguei em casa e preparei um banho, vinho e música com meia luz iluminando a casa, e com percepção descobri uma carteira de cigarros em cima da mesa de canto, aberta, faltando alguns, e assim a memória de quando os fumava me pareceram tão tão distantes dos dias atuais que estava vivendo, que não fazia sentido permanecer com aquele maço ali, joguei-o fora sem a menor saudade de sua fumaça circulando em meus pulmões.

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