Nos Olhos de Miguel

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- Hmmmm, o cheiro está delicioso, e acredito que o sabor também. Aliás, eu adoro sua lasanha. A minha mãe tem muito desejo por experimenta-la, já que falo bastante a respeito.

- Farei uma travessa com muito prazer, espero que ela goste.

- Nã-nã-nã-não! Não vamos comer ainda. Antes vamos terminar a nossa conversa.

Fiquei surpresa quando ele retirou as minhas mãos da travessa e pegando-as me direcionou novamente ao sofá.

- Bom, eu não sei bem por onde começar, na verdade não existe um jeito fácil de contar isso.

- Experimenta pelo começo, e se te deixar mais a vontade, posso fechar os olhos pra te deixar mais confortável.

E assim ele fez.
Fechou os olhos e com muita paciência, esperou em silêncio que eu começasse a falar.

- Quando eu tinha 16 anos, conheci um cara em um momento tão sensível da minha vida, que logo me apeguei a ele por ser tão carinhoso e generoso comigo...ele era um pouco mais velho que eu. Naquele momento, pensei que ele estava ali por um bom propósito.
Uma certa noite ele me convidou para ir à praia, conversar, assistir a lua e todas as estrelas do céu, e eu aceitei como aceitava todos os convites dele.
Eu não sei ao certo onde eu errei com ele, ou o que eu tenha feito que, de algum modo, o fez entender que eu queria algo além do que estava acontecendo entre nós. Eu não soube lidar com aquela situação naquela época, tudo o que consegui fazer foi me isolar por vergonha dos olhares, dos possíveis pensamentos a meu respeito e do meu próprio julgamento.
Sempre que fechava os olhos, só conseguia ver aquela cena que sempre se repetia em meus pensamentos, então dormir era a única forma que eu conhecia para escapar daquele tormento.
Seu corpo contra o meu, e contra a minha vontade, suas mãos me tocando indevidamente, e aquela invasão ao meu corpo de forma bruta, e o que deveria ter sido somente uma noite de luar na praia, foi por muitos anos o meu pesadelo, até mesmo estando acordada.
E todas essas sensações, esses desconfortos, por mais que estivessem adormecidos, voltaram naquele bar, quando ouvi aquela voz rouca te cumprimentando, sendo gentil com você...

Miguel lentamente abriu seus olhos, e sua expressão havia mudado de ouvinte expectador, para algo mais sério e empático.

E quando derramei algumas lágrimas sem exprimir sons, ele tocou em meu rosto e fitou os meus olhos.

Pela primeira vez, não senti vergonha nem timidez em dividir olhares com ele, me senti confortável em chorar em sua frente e com o silêncio que se formou entre nós.

- Nunca contei isso a alguém, nunca tive coragem nem de repetir na frente de um espelho. Sempre me culpei, achei que su poderia ter feito algo para impedir, poderia não ter ido...

- Você não tem culpa, Anastásia! Você não podia saber! Você confiou, e não foi errada por ter confiado. As pessoas dão o que elas tem e são por dentro...eu sinto muito por ter passado por isso, mas não acredite que você tem culpa!

Aquelas palavras entraram em meus ouvidos e ecoaram pela minha mente, e pousaram em meu coração. Ele fez eu me sentir acolhida e respeitada, e até mesmo seu toque em meu rosto e em minhas mãos, me eram totalmente diferentes.

Eu que um dia, não consegui nem manter contato com os homens que conheci e dividi ambiente de trabalho, mas que ao longo do tempo fui conseguindo conviver com os que eram necessário, nunca pude imaginar que chegaria alguém e tocaria em minha pele sem me fazer sentir repulsa.

Sua empatia me fez perceber que fiz a escolha certa em contar a ele sobre esse segredo, e assim me senti mais aliviada.

Depois de uma sessão de choro e desabafo, ele fez minha cabeça repousar sobre seu ombro, ali mesmo no sofá, e juntos ficamos um tempo encarando a televisão desligada, em silêncio enquanto ele acariciava os meus cabelos, até que aquele momento foi interrompido pelo ronco do meu estômago.

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