Cornettos

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Há algo de vagamente familiar nos aposentos de hóspedes do Palácio de Kensington, embora Zoro nunca tenha estado ali antes. Vivi mandou um atendente levá-lo até seu quarto, onde sua bagagem esperava por ele em cima da cama de madeira entalhada e coberta com lençóis dourados. Muitos dos quartos na Casa Branca têm o mesmo ar assombrado, um peso histórico que pende feito teias de aranha, por mais impecáveis que os aposentos sejam mantidos. Ele está acostumado a dormir com fantasmas, mas não é esse o problema. Aquele lugar o faz lembrar algo ainda mais antigo em sua memória, por volta da época em que seus pais se separaram. Eles eram o tipo de casal de advogados que mal conseguiam pedir delivery de comida chinesa sem fazer uma documentação jurídica, então Zoro passou o verão antes do sétimo ano indo e voltando entre a casa da mãe e a casa nova do pai em Los Angeles até eles finalmente conseguirem firmar um acordo definitivo.

Era uma casa bonita no vale; tinha uma piscina azul cristalina e uma parede de vidro sólido nos fundos. Ele nunca conseguiu dormir bem lá. No meio da noite, saía escondido do quarto improvisado, roubando sorvete Helados do freezer do pai e tomando direto do pote, em pé e descalço na cozinha, sob a luz azul refletida da piscina.

De alguma forma, é assim que ele se sente aqui — acordado à meia-noite em um lugar estranho, obrigado a fazer isso funcionar. Ele vai até a cozinha anexa à ala de hóspedes, onde o pé-direito é alto e os balcões são de mármore brilhante. Falaram para ele enviar uma lista para estocarem sua cozinha, mas, pelo visto, era difícil demais conseguir Helados em cima da hora — tudo que tem no freezer são sorvetes de casquinha de marcas britânicas.

— Como é aí? — diz a voz de Law, metálica pelo celular. 

— Esquisito — Zoro diz, erguendo os óculos sobre o nariz. — Tudo parece um museu. Mas acho que não posso mostrar pra você.

— Aah — Law diz, erguendo as sobrancelhas. — Que sigiloso. Que chique.

— Até parece — Zoro diz. — Na verdade, é meio medonho. Tive que assinar um termo de confidencialidade tão gigante que tenho certeza que um alçapão vai abrir sob meus pés e vou acabar em uma masmorra de tortura a qualquer momento.

— Aposto que ele tem um filho bastardo secreto — Law diz. — Ou é gay. Ou tem um filho bastardo secreto que é gay.

— Acho que é para o caso de eu ver a cavalariça trocar as pilhas dele — Zoro diz. — Enfim, esse assunto é chato. E você? Sua vida está muito melhor do que a minha nesse momento.

— Bom — Law diz —, Comprei umas cortinas novas. Reduzi a lista de pós-graduações para estatística ou ciência de dados.

— Me fala que as duas são na George Washington — Zoro diz, pulando para se sentar em cima de um dos balcões limpíssimos, balançando os pés. — Você não pode me largar em Washington e voltar para Massachusetts.

— Ainda não decidi, mas, por incrível que pareça, não depende de você — Law diz. —Lembra que às vezes a gente comenta que você não é o centro do mundo?

— Lembro, é esquisito. 

Law dá risada e Zoro começa a rir também, mas para quando escuta um barulho no corredor. Passos discretos se aproximando. A princesa  Reiju mora em uma parte diferente do palácio, e Sanji também.

Mas tanto os seguranças da Família Real como os dele dormem neste andar, então talvez...

— Espera aí — Zoro diz, cobrindo o celular.

Uma luz se acende no corredor, e a pessoa que entra a passos surdos na cozinha é ninguém menos do que o próprio príncipe Sanji.

Ele está com a cara amassada e meio dormindo, os ombros curvados enquanto boceja. Ele está na frente de Zoro usando não um terno, mas uma camiseta cinza e uma calça de pijama xadrez. Está com fones de ouvido, e seu cabelo está uma bagunça. Os pés estão descalços. Ele parece surpreendentemente humano.

Ele fica paralisado quando seus olhos encontram Zoro sentado no balcão. O moreno o encara de volta. Na mão dele, Law começa a dizer com a voz abafada:

— É o...

Zoro encerra a ligação.

Sanji tira os fones e volta a assumir uma postura ereta, mas seu rosto ainda está sonolento e confuso.

— Oi — ele diz, com a voz rouca. — Desculpa. É. Eu só ia. Cornettos.

Ele aponta vagamente na direção da geladeira, como se tivesse dito algo que fizesse algum sentido.

— Quê?

Ele vai até o freezer e tira a caixa de sorvetes, mostrando o nome Cornettos para Zoro na embalagem.

— Os meus acabaram. Eu sabia que tinham estocado a sua geladeira.

— Você assalta a cozinha de todos os seus hóspedes? — o moreno pergunta.

— Só quando não consigo dormir —  o príncipe diz. — E nunca consigo. Não sabia que você estava acordado. — Ele olha para Zoro, com expectativa, e então se dá conta de que o loiro está esperando permissão para abrir a caixa e pegar um. Zoro pensa em dizer não, só pela emoção de negar algo a um príncipe, mas está meio intrigado. Ele também não consegue dormir normalmente. Faz que sim com a cabeça.

Ele espera que Sanji pegue um Cornetto e saia, mas, em vez disso, o príncipe volta a erguer os olhos para o primeiro filho.

— Você treinou o que vai falar amanhã?

— Treinei — Zoro diz, se eriçando imediatamente. É por isso que nada em Sanji o havia intrigado antes. — Você não é o único profissional aqui.

— Eu não quis dizer... — Sanji hesita. — Só quis saber se você acha que a gente deveria, tipo, ensaiar?

— Você precisa?

— Pensei que poderia ajudar. — É claro que ele pensou isso. Tudo que Sanji já fez publicamente deve ter sido ensaiado em segredo em aposentos reais abafados como esse.

Zoro salta do balcão, desbloqueando o celular.

— Saca só.

Ele tira uma foto: a caixa de Cornettos no balcão, a mão de Sanji apoiada ao lado dela, seu anel de sinete pesado visível junto com uma parte do pijama. Ele abre o Instagram, passa um filtro.

— "Nada cura o cansaço da viagem" — Zoro narra com a voz monótona enquanto digita a legenda — "melhor do que um sorvete noturno com o @PrinceSanji." Localização: Palácio de Kensington, e postado. — Ele mostra o celular para o loiro enquanto as curtidas e comentários começam a brotar imediatamente. — Tem muita coisa sobre a qual vale a pena pensar demais. Mas essa não é uma delas.

Sanji franze a testa.

— Talvez — ele diz, em dúvida.

— Já acabou? — Zoro pergunta. — Eu estava no celular.

Sanji pestaneja, depois cruza os braços diante do peito, de volta à defensiva.

— Claro. Não quero atrapalhar.

Antes de sair da cozinha, ele pausa no batente, refletindo.

— Não sabia que você usava óculos — ele diz finalmente.

Ele deixa Zoro sozinho na cozinha, a caixa de Cornettos condensando no balcão.

VBSA- ZOSANOnde histórias criam vida. Descubra agora