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Não tinha como a editora se sentir covarde ao encarar o silêncio solitário de sua mansão. Ela queria ter ido ao terapeuta, ela queria se curar e não roubar mais, ela queria voltar ao seu eixo, a ser a mulher que ela admirava, mas, ela se sentia tão cansada e longe de si.

Ela caminha com passos delicados até o andar de cima e, ao chegar próximo ao quarto que era de suas filhas, ela para e olha para a porta.

Desde quando tudo aconteceu, ela nunca mais teve coragem de entrar ali. O nó já se faz presente em sua garganta, com a mão trêmula ela segura a maçaneta que seus olhos assistem fazendo-a girar. Ela fecha os olhos e solta o pesado ar que carregava dentro de seu peito. Miranda parou no centro do quarto, seus olhos percorrendo cada canto como se buscasse algo perdido no tempo. O ambiente silencioso reverberava com as memórias antigas que pareciam dançar ao seu redor. Ela estudou cada detalhe minuciosamente, como se cada móvel e cada sombra contivessem uma história que agora, apenas ela conhecia. Seus dedos roçaram suavemente a superfície de uma cômoda branca com detalhes em dourado, despertando um eco suave de tempos passados. Uma leve expressão de nostalgia cruzou seu rosto, os lábios curvando-se em um sorriso terno e melancólico. Para Miranda, aquele lugar era mais do que um espaço físico; era um arquivo vivo de momentos preciosos. Agora imortalizados nas linhas de seu rosto e no brilho de seus olhos marejados.

Ela se senta na poltrona entre as duas camas que eram das garotas, a poltrona que ela se sentava para ler para as meninas. Ela fecha os olhos e se recosta nela, deixando as lágrimas banharem silenciosamente o seu rosto repleto de saudades.

— Eu tenho tanto medo de perder dentro de mim a voz de vocês. — Miranda se agarra aos ursos que as meninas costumavam dormir agarradas.

Ela começa a cantar uma canção que ela costumava cantar desde quando as garotas ainda estavam dentro de seu ventre. A dor da saudade esmaga seu coração e sua voz, fazendo a melodia sair dificultosa e com tremor com recordações do quanto suas filhas foram planejadas e desejadas.

(...)

Miranda estava ignorando a Andreah todo o dia, mas, ignorando apenas da maneira que ela sabe, enchendo a garota de trabalho para mantê-la longe. Mas, dessa vez, não era por implicância com o jeito matuto da menina, ou pela maneira que ela se veste, era por vergonha de mais uma vez fracassar.

Andreah, por sua vez, estava com medo de a editora desistir de pagar a cirurgia da sua irmã, ela tentava ao máximo adiantar o que quer que fosse o que Miranda pedisse, ela não podia perder essa oportunidade por incompetência própria, então ela se cobrava uma perfeição que ninguém seria capaz de cumprir. O dia estava exaustivo para a garota.

— Miranda! — Andreah se aproxima da mesa da mulher, chamando sua atenção. Andreah ainda tinha muito receio de adentrar a sala da editora sem ser chamada, mas, ela sabia que era preciso e tinha que arriscar. — A sua sessão de terapia está marcada para daqui uma hora. — A garota morde a lateral do lábio inferior em apreensão. — Se você permitir e quiser, é claro. — A timidez da garota está no timbre de sua voz. — Eu acompanho você, para você apenas conhecer, ver se gosta do espaço.

Miranda ainda calada, séria e estática encara o jeito tímido da Andreah, ela vê medo no olhar da garota, mas, também vê um brilho e um cuidado que de longe Andreah não deveria ter ao se tratar de ajudá-la. E é isso que em muitos momentos deixa a mente da Miranda em conflitos. Ela sabe reconhecer olhar de fingimento, ela sabe perceber quando a pessoa quer demonstrar que gosta dela, mas, deixa explícita no olhar, a inveja e o querer mal, e Andreah, mesmo com tudo que Miranda já fez e já falou para ela, não tem, e é isso que ela não consegue entender e preferia sempre colocar uma barreira impedindo apreciar os esforços da Andreah.

— Foi apenas uma ideia idiota, me desculpe. — A garota engole em seco e abandona a sala da editora com receio.

E, mais uma vez Miranda percebe que está sendo cruel e injusta com a garota que aparentemente só quer o seu bem, por alguma razão desconhecida, apenas parece querer o seu bem, então ela para de castigar a garota com tarefas desnecessárias.

O expediente termina diferente de como começou, a animosidade da Miranda pareceu dar lugar à tranquilidade de uma mente nada silenciosa. Quem visse Miranda trabalhando, nem imaginaria que ela estava sofrendo tanto. Apenas Andreah sabia o quão mal Miranda estava.

— Vamos! — Miranda para em frente à mesa da garota que se assusta com a fala da mulher.

Andreah apenas balança a cabeça em concordância e com um balançar agitado de cabeça, ela começa a desligar seu computador e pegar suas coisas, seguida da bolsa e casaco da editora.

O silêncio dentro do carro que Roy dirige é palpável, Andreah mentalmente se cobra se deveria falar alguma coisa para tranquilizar e encorajar a editora de que a terapia será um passo importante para ela, mas, ela sabe que Miranda já sabe disso, e sabe que a editora odeia engodos.

O carro para em frente ao prédio, Andreah parece mais nervosa que Miranda, mas, a editora está nervosa, ela só não é expressiva como a Andreah. Então pela primeira vez as duas dividem o elevador. Os ombros resvalando despretensiosamente faz a tensão do ambiente ficar ainda mais complexa para dois corpos que parecem gostar dessa proximidade. A porta metálica se abre e Miranda não disfarça a satisfação de não ver a secretária do terapeuta aguardando tal como ela havia pedido para Andreah. Ela não queria ninguém além dele como conhecimento de que ela estava buscando terapia. Havia um tabu muito grande dentro da editora em relação à busca de tratamento psicológico.

Um bater na porta foi suficiente para aparecer um senhor de óculos de grau abrindo a porta. Ele dá espaço para a editora entrar.

— Eu vou esperar aqui fora. — Andreah fala docemente.

— Não! — Miranda é categórica ao olhar para a garota e com um simples olhar fazê-la entrar imediatamente.

O homem guia as duas para sentarem enquanto ele se acomoda em sua poltrona, ele busca os dados da Miranda e as observações que Andreah deixou.

— Eu pensei que fosse terapia individual e não de casal, me desculpe. — O homem fala sorrindo sem jeito.

As bochechas da Andreah ganharam uma vermelhidão imediata, o que não passa despercebido pelo terapeuta, enquanto Miranda, apenas morde a parte interna do lábio inferior e meneia a cabeça.

— Não somos um casal — A timidez da Andreah é percebida por ele — E-eu vim dar apoio.

O homem balança a cabeça em concordância e então dirige sua atenção a Miranda que depois do "Não" seguiu em total silêncio.

— Perder alguém que se ama é muito traumático, ainda mais quando se trata de filhos. — Ele fala de maneira acolhedora seguindo as instruções da Andreah sobre tentar ser objetivo após se apresentar para a mulher.

Andreah não precisou olhar para Miranda para sentir a mulher tensionar. Sua mão trêmula e delicada hesitou por um momento, antes de buscar a mão fria e pálida da editora. Sem desviar o olhar, Andreah entrelaçou seus dedos aos de Miranda, transmitindo silenciosamente todo o seu apoio e empatia. O contato era um anseio desesperado de conforto, uma tentativa de ancorar Miranda no presente, mesmo que por um breve instante. O terapeuta observou o gesto com atenção, registrando em sua mente a profundidade daquela conexão silenciosa, fazendo sua primeira anotação.


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