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Miranda acordou sobressaltada ao ouvir o soluçar de um choro infantil. Ainda confusa, virou-se e viu Catharina encolhida, tentando chorar silenciosamente, agarrada à coberta com força, como se aquele cobertor fosse o seu único alento.

— O que houve, querida? Teve um pesadelo? — Miranda tocou a garotinha com uma delicadeza carregada de preocupação na voz mansa.

— A Andy não voltou, ela me abandonou como o papai. — O choro agora ganhava força e a menina afundava o rosto no vão do pescoço de Miranda.

— Não, meu bem. Ela está no outro quarto. Ela não te abandonou e nem vai. Apenas chegou tarde e achou melhor não te acordar. — A editoro conforta mais calma vendo que não era nada grave.

A menina encarou o rosto da editora tentando discernir a veracidade das palavras. Miranda sorriu com ternura e limpou as lágrimas do rosto dela. Catharina saltou da cama e perguntou em qual quarto Andy estava. Miranda informou, e antes que pudesse pedir à menina que deixasse Andreah dormir um pouco mais, Catharina, descalça, saiu correndo em busca da irmã.

O abrir da porta foi tão desesperado que Andreah despertou imediatamente. Ao ver sua irmã com a face encharcada de lágrimas, prontamente pulou da cama, preocupada.

Catharina abraçou Andreah com tanta força e, sem controle de suas emoções, voltou a chorar, agora de alívio. Ela jamais havia passado um dia inteiro longe de Andreah, e mesmo que tivesse tido um dia divertido com Miranda, o medo de ser abandonada também por Andreah permanecia intrínseco no dia quase perfeito.

— O que aconteceu? Está sentindo dor? — Andreah examinou a garota com preocupação.

A menina apenas balançou a cabeça em negação e voltou a abraçar a irmã com força. Miranda observava emocionada da porta ainda vestida apenas de camisola.

— Você não voltava nunca, eu estava com saudade. — A menina reclamou agora mais calma.

Andreah sorriu, mas em seu peito sentia a dor de perceber que esse descontrole emocional pudesse ter sido influenciado pelo que Miranda contou sobre as conversas que sua irmã ouvia. Andreah suspirou, colocou a menina em pé na cama e segurou-a pelo rosto para que a garota olhasse diretamente em seus olhos.

— Eu nunca vou te abandonar, você é minha princesinha. Nem sei o que faria da minha vida longe de você. — Andreah falou com toda a sinceridade que possuía.

A menina, então mais calma, começou a tagarelar sobre como foi seu dia. Andreah, de relance viu Miranda observando com os braços cruzados e um rosto sereno. A jovem timidamente mudou sua postura, ficando mais acanhada.

— Bom dia, Miranda. Apenas vamos nos trocar e já iremos. — Andreah logo se justificou com receio da mulher achar ruim elas ainda estarem lá.

Seu olhar, porém, captou algo inesperado. Observou a editora apenas de camisola, e sua consciência registrou rapidamente a imagem de Miranda coberta por uma vestimenta tão delicada. Seus olhos percorreram o tecido fino, delineando o corpo da editora antes que Andreah pudesse se dar conta da direção de seu olhar.

Miranda sentiu o pescoço começar a corar. A maneira como Andreah a olhou, um olhar que misturava surpresa e algo mais intenso, a deixou desconcertada. Desde que soubera que a jovem gostava de mulheres, passou a sentir-se estranhamente vulnerável sob aquele olhar.

— Ainda está cedo, é domingo. Vamos preparar panquecas. — Miranda sorriu para Catharina, que respondeu com um "oba".

Andreah acenou em concordância. A editora informou que iria fazer sua higiene matinal e depois retornaria. Ela chamou Catharina, já que os pertences da menina estavam em seu quarto, mas antes que as duas saíssem do quarto onde Andreah estava, a menina perguntou se poderiam passar o dia com Miranda. A vermelhidão no rosto de Andreah não passou despercebida por Miranda.

— Não, Cathy, eu tenho tarefas a fazer em casa, você tem seus deveres e Miranda também tem seus compromissos.

Miranda nada disse, apenas dirigiu-se ao quarto segurando a mão de Catharina. A editora primeiramente ajudou a menina com a higiene bucal e a deixou concluir o restante sozinha, assim como ocorreu com a lavagem do cabelo no dia anterior. Quando terminou de se vestir, a menina correu novamente para o quarto onde Andreah estava, encontrando a irmã terminando de se vestir.

— A Miranda falou que se a gente quiser, podemos passar o dia aqui com ela. — Catharina se jogou na cama com alegria.

— Cathy, acho melhor não. — Andreah alertou a irmã, mas ponderou ao dizer que era porque Miranda a odiava.

Existem coisas que crianças não precisam saber nos mínimos detalhes.

Não demorou muito e Miranda reapareceu na porta chamando-as para descer. Desconfiada e desconfortável, Andreah acompanhou a mulher até a cozinha.

— Você me ajuda a fazer as panquecas, Andreah? — Miranda olhou para Catharina e sorriu sem mostrar os dentes, dando uma piscadela em cumplicidade.

A garota astuta entendeu o que Miranda quis dizer e sorriu cúmplice.

— Nos ovos é preciso retirar a película que cobre a gema, para que não fique com gosto forte de ovo. — Ela guiou Andreah, após pedir-lhe que quebrasse os ovos.

— Ah! — A jovem respondeu como se tivesse acabado de descobrir a solução de um grande problema.

Andreah parecia faminta no café da manhã. Em outro momento, Miranda provavelmente usaria isso para criticar a garota e alfinetar dizendo que esse seria o motivo para ela ser gorda. Mas agora percebia que, provavelmente, enquanto esteve presa, Andreah não se alimentou adequadamente e, ao chegar em casa, também não teve uma refeição adequada, já que a geladeira e os armários estavam quase vazios. Miranda sentia remorso por tantas vezes ter humilhado e menosprezado a garota por simples capricho de descontar sua raiva nela. Andreah nem era gorda e estava longe de ser. Andreah era uma jovem linda que apenas parecia precisar ser cuidada.

— Você namora? — Catharina perguntou a Miranda, com um bigode feito pelo grande gole de iogurte que acabara de tomar.

— Não! — Miranda respondeu colocando uma colherada de salada de frutas na boca.

— Por que vocês não namoram, então? — Para Catharina parecia uma ideia brilhante.

Miranda e Andreah, ambas, cuspiram o que estavam em suas bocas, surpresas pela pergunta ingênua da menina que não via nada demais em sugerir aquilo, já que adorou Miranda.

— Miranda, me desculpe. — Andreah falou constrangida e com o rosto ruborizado.

Miranda apenas fez um gesto indicando que estava tudo bem, e informou que se elas quisessem ficar, ela mandaria o segurança buscar a mochila escolar da menina.

— Será bom ter companhia. — Miranda olhou para Andreah, seus olhos refletindo uma aceitação silenciosa e um pedido de desculpas contido. Era como se a conversa de ontem estivesse ali, presente no olhar, e Andreah entendeu que, de alguma forma, que a editora estivesse aceitando sua ajuda para lidar com seus problemas emocionais.


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