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Meu novo trabalho se mostrou muito mais maçante do que me lembrava, olha que meu cargo de agora é abaixo do meu original.

Apesar da sala bem menor, tenho uma secretária, Sandra, mulherzinha entojada, se acha dona do escritório. O antigo chefe dela foi convidado a se retirar da empresa por má conduta, mas a chata foi mantida.

- Esses porta-retratos na sua mesa vão te atrapalhar  - disse quando entrou para deixar alguns papéis - é melhor colocar nas estantes.

- Gosto delas aqui, Sandra. Mas obrigado pela sugestão.

- Eu só acho que se os investidores ou até diretores da empresa entrarem aqui e...

- Sandra, minha querida, todos diretores nessa empresa sabem que eu tenho um marido, ver ou não uma foto dele não vai mudar nada.

Ela assentiu e saiu da sala.

Ela já mostrou um certo descontentamento por eu ser gay algumas vezes, eu sempre ignoro já que pouco me importa o que ela pensa.

Quando comecei o chefão disse que eu poderia demiti-la se quisesse, mas na real eu não quis depois que ela me contou sua história de vida eu tive pena... tem apenas quarenta anos e cuida dos netos de uma filha drogada. Eu posso aguentá-la por mais um tempo.

O porteiro é o mesmo que eu conheci na outra vida, bonachão e engraçado.

Meus chefes (que na outra vida eram meus subordinados) nem todos eu conheço. E na minha vaga tem um otário que eu sempre detestei e nunca achei competente.

Em casa tudo continua tranquilo, exceto pelas eventuais reclamações de Amaury sobre o horário que chego do trabalho. Procuro não responder pra não gerar discussões e também porque acho que ele está certo.

Por mais que eu esteja feliz de ter conseguido um emprego com o salário muito melhor que na loja do meu sogro..ainda assim tenho saudade de quando chegava em casa e ainda tinha tempo de brincar com as crianças.

Mas enfim, nem tudo são percalços. Vamos para casa da minha mãe no feriado. Na verdade a empresa entrará em recesso para reparos que precisam ser feitos e uma dedetização no prédio, então não preciso aparecer lá por duas semanas e meia.

Estou ansioso. Não a vejo tem muitos e muitos meses, apesar de pelo menos aqui a gente se falar o tempo todo tenho uma saudade imensa do abraço e do colo dela.

*

- Amor, você avisou na escola? - perguntei enquanto arrumava o cabelo de Julia, estávamos no sofá.

- Sim, a diretora disse que não tem tanto problema assim, essa semana tem só três dias de aula - ele estava alimentando o Théo na cozinha - se tiver algo importante a Ju faz depois.

- Eu tô muito feliz papai - ela disse pulando no sofá.

- Ah é, meu amor? porque vai ver a vovó?

- Porque eu não vou pra escola um montão de dia. - ela deu uma gargalhada sapeca - e por causa da vovó também.

- É né sua pilantrinha, vem cá - começamos uma sessão de cócegas até não aguentarmos mais- te amo tanto filha.

- Também te amo papai...amo um tantão assim ó - abriu os bracinhos o máximo que conseguiu.

Eu sou feliz aqui. De uma forma que nunca fui a vida toda, se me pedissem hoje pra escolher entre aqui e minha outra vida...eu jamais escolheria voltar lá.

Mas certas coisas não são questão de escolha.

Ainda vejo Samuel por aí, as vezes some na mesma hora e as vezes vem até mim dizer que meu tempo está acabando.

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