claustrofobia

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Eu não sei o que era pior. Se era viajar para passar as férias com meu chefe ou nossas poltronas serem justamente uma do lado da outra.

Minha mãe simplesmente ignorou meus olhares pedindo socorro, colocando aquela almofada para pescoço, fones de ouvido e aquela máscara de dormir. "Me acorde quando chegarmos" ela falou, e eu sabia que a partir dali era só eu e Deus.

E Eris.

Para minha felicidade ele não puxou assunto comigo, mas aquela felicidade durou apenas até o ônibus começar a andar.

Tinha um motivo pelo qual minha mãe me buscava sempre que eu ia para o interior.

Desde criança eu sinto desconfortos com lugares apertados, como elevadores, é por isso que hoje em dia faço o máximo para evitá-los, mesmo que isso signifique acabar com minhas pernas dia após dias. Com o tempo o desconforto virou medo, numa proporção cada vez maior, onde até andar de carro em viagens longas me deixava desconfortável.

No início eu estava conseguindo me segurar. Por ter acordado cedo demais acabei ficando com sono depois de um tempo. Mas assim que acordei não consegui mais relaxar. Guardei os fones de ouvido de volta na pequena bolsa no meu colo, parecia que a música estava me deixando mais abafada.

Eu mexi no meu celular, migrando de jogo em jogo, entrava e saia de redes sociais, mas sem dar realmente atenção ao que via. Pensei em abrir minha bolsa e tirar de dentro dela um pacote de biscoitos, mas desisti. Meu estômago estava ruim e eu tinha certeza de que se comesse algo eu iria colocar aquilo para fora, o que não seria nada legal ou decente de minha parte.

Olhei Eris pelo canto do olho, ele estava dormindo. Respirei fundo me concentrando em não vomitar e tentar voltar a dormir, o que não funcionou. O ônibus balançava demais e o barulho da estrada me incomodava. Como os outros passageiros conseguiam ficar tão tranquilos?

Me agarrei aos braços da poltrona com os olhos fixos no teto do ônibus. Aquele lugar parecia estar ficando cada vez mais apertado, parecendo até que em algum momento eu ia ser esmagada pelas paredes. Não consegui mais ouvir as vozes dos passageiros conversando, apenas o barulho das rodas na estrada lá fora. Senti meu coração bater mais rápido e o suor se acumular na minha testa. Fechei os olhos com força. Cheguei a pensar que teria um infarto, mas então...

Uma mão quente segurou a minha.

Abri os olhos e encarei a mão de Eris sobre a minha. Eu não sabia o que dizer ou pensar sobre aquilo, mas... Eu me senti... Calma.

Não sei se há alguma explicação científica para isto. As chances de um início de uma crise claustrofóbica acabar por causa de um toque pareciam impossíveis.

Os olhos de Eris continuavam fechados, porém seu polegar fazia círculos leves nas costas da minha mão, fazendo todo o resto de tensão por causa da minha fobia desaparecer. O nervosismo que me veio era diferente. Era tão estranha aquela interação entre nós, mas ao mesmo tempo tão boa... Meu chefe não parecia se importar com o que estava fazendo e por incrível que pareça, eu também não me importei.

♥︎♥︎♥︎

Fiquei por muito tempo com a mão no mesmo lugar, assim como Eris, até que acabei pegando no sono. Acordei muito tempo depois com alguém me chamando e pessoas conversando perto de mim.

— Chegamos, Tereza. — Cantarolou minha mãe. Me espreguicei antes de me levantar da poltrona. Senti meu rosto esquentar ao meu olhar encontrar com o do meu chefe. Desviei o olhar e peguei minhas malas. A missão "ignorar o fato de que muito provavelmente a visita do meu chefe à casa dos meus avós vai se tornar muito vergonhosa" se tornou dez por cento pior.

Assim que saímos do ônibus e caminhamos para fora, Eris olhou ao redor visivelmente confuso.

— Imaginei que seria uma cidadezinha menor, pelo que disse. — Falou com minha mãe.

Em comparação com minha, Ipatinga parecia mesmo uma cidade grande. Não que não seja, mas se formos compará-la com a capital ela pode sim ser considerada pequena.

— Isso é porque ainda não chegamos. — Saiu na nossa frente mais uma vez.

Fingi naturalidade enquanto eu e Eris andávamos lado a lado atrás de minha mãe. Era só evitar contato visual que ele ia ficar na dele e...

— Você está melhor?

É sério isso?

— Sim senhor, não se preocupe.

— Maria Tereza. — Respirei fundo e finalmente olhei em sua direção. — Não estamos em ambiente de trabalho, não tem necessidade de ficar me chamando de "senhor".

— Como quiser. — Mais um por cento mais difícil. Eris, eu sou uma piada pra você?

Minha mãe deu sinal para um ônibus que se aproximava. Ela sempre calcula os horários dos ônibus, era muito raro vê-la perdendo algum.

Desta vez passamos apenas cinquenta minutos no ônibus até chegarmos ao nosso local de destino, e como sempre, uma placa marrom com letreiro branco que ia de uma extremidade a outra da rua anunciava a nossa chegada: Bem-vindo a Perpétuo Socorro.

De um lado iniciava as casas, o posto de gasolina, algumas empresas e restaurantes, do outro lado uma extensa plantação de eucalipto, ao lado da faixa de pedestres. Conforme fomos entrando cada vez mais, o movimento de carros e pessoas foi aumentando. Junto com estes os buracos no asfalto, quebra-molas e muitos, muitos cachorros nas ruas, que latiam para todos os veículos que passavam. O motorista colocou a cabeça para fora da janela e cumprimentou um grupo de senhores sentados na calçada, estes cumprimentaram de volta bastante alto exibindo bons sorrisos.

Eris estava sozinho no banco da frente agora. Os ventos que entravam pela janela começavam a bagunçar seus cabelos – que como sempre estavam tão perfeitamente penteados para trás. Vê-lo com outros olhos? Sério mesmo que minha mãe disse aquilo? Com todas as palavras?

O ponto mais próximo do nosso bairro era o centro, e ainda assim era tipo uns 10 minutos de caminhada. Uma "caminhadinha atoa'', como diz minha mãe, não fazia mal a ninguém. Isso era verdade. Mas quem olhasse para Eris diria que o sol escaldante das duas da tarde não estava fazendo muito bem pelo fato dele estar vermelho como um pimentão. Quando finalmente chegamos em casa os portões já estavam abertos, ao passar por eles vi duas pessoinhas gritarem meu nome e se agarrarem em mim, era Lucas e Mateus, meus irmãos mais novos.

— Eu estava com tanta saudade de vocês!

— Ainda bem que chegaram, está um sol terrível lá fora. — Minha irmã Vanessa vinha em nossa direção.

— De nada por isso. — Corri até ela e lhe dei um abraço tão apertado que meus braços doeram.

— Vejo que trouxeram visitas. — E então eu me lembrei da presença de Eris. Me segurei para não bater em minha própria testa. Como pude ser tão lerda? — Bem-vindo...

— Eris, o chefe da Tereza. — Responde minha mãe. Ela deu alguns tapinhas no ombro dele. — Vamos entrar, sinta-se em casa.

𝐑𝐚𝐢́𝐳𝐞𝐬 𝐚𝐦𝐚𝐫𝐠𝐚𝐬, 𝐚𝐦𝐨𝐫𝐞𝐬 𝐝𝐨𝐜𝐞𝐬Onde histórias criam vida. Descubra agora