Capítulo 14

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Noora sabia muito bem que estava estranho e que sua estranheza estava começando a preocupar Mick. Ele não queria ficar acuado daquela forma, principalmente depois do que eles fizeram naquele primeiro dia em que Noora dormiu no quarto de Mick, mas foi difícil manter a compostura sabendo que o corpo do capitão Foi marcado de todas as formas por culpa... Do seu próprio pai.

Agora, aquela briga que tiveram dias atrás o consome a todos os instantes. Ele não consegue olhar para Mick sem lembrar das coisas horríveis que o disse porque ainda não conseguia aceitar o fato de que seu pai não era quem ele achava que era. Noora ainda estava tentando digerir a ideia, como se estivesse tentando engolir o bagaço de uma laranja entalado no meio da garganta, mas depois de ver — ou melhor, sentir — aquelas cicatrizes, parecia que um choque de realidade finalmente o tinha atingido.

Todas as vezes em que ele ficava sozinho com os próprios pensamentos, Noora sempre acabava no mesmo lugar: ele precisava fazer algo sobre isso. Precisava ajudar o regimento, precisava ajudar Mick. Noora era só um escritor fracote que não poderia fazer nada para ajudar caso atacassem. Na verdade, ele sabia que seria um estorvo se algo assim acontecesse. E ele definitivamente não queria causar ainda mais problemas para Mick, ainda mais agora que Dorian parecia cada vez mais enciumado do capitão e sua proximidade iminente com Noora.

— O que você pensa tanto? — a voz de Jordan o trouxe de volta para a realidade, olhando para seu colega de beliche. Jordan estava com uma toalha amarrada na cintura e Noora levou um tempo para observá-lo; não que se sentisse atraído pelo outro soldado, embora reconhecesse que ele tinha um bom porte, mas mais porque sentia uma pontada de inveja toda vez que o via sem roupa. Jordan tinha um corpo que era forte, ágil e bonito, tudo ao mesmo tempo. Era parecido com o de Mick, embora Mick fosse inegavelmente mais forte e mais anguloso (e mais atraente). Será que Mick gostaria de alguém mais parecido com Jordan? Como será que Dorian era?

Aquela pontada de ciúmes o atinge novamente, deixando um rastro amargo no fim da sua língua. Noora abaixa a barra da camisa, tentando esconder a própria barriga, como se Mick fosse aparecer a qualquer minuto e rir da sua barriguinha.

— Nada. É só que... Tô pensando em me alistar — Noora responde depois de um tempo, olhando de soslaio para Jordan. O soldado tinha levantado as sobrancelhas.

— Não sabia que você queria ser um soldado. Pelo o que me disseram, você só era um protegido do Mick... Quero dizer, Capitão Mick.

Uma fúria infantil tomou conta dele. Noora apertou o maxilar, sentindo-se cada vez mais ridículo. Então haviam o diminuído a isso? Um protegido indefeso de Mick?

— Eu não quero. Quero dizer, ser soldado. Nunca quis e nunca se passou pela minha cabeça sequer cogitar essa ideia, mas... Parece o certo a se fazer no momento.

Jordan não responde, tirando a toalha da cintura, sem a menor vergonha daquela coisa monstruosa no meio de suas pernas, e veste uma cueca antes de amassar o cabelo cor de areia com a toalha.

— O que você quer ser então? Não há razão para você se auto impor algo só porque sente que é o certo. Só vai acabar com a sua vida.

Noora engoliu em seco, olhando para o teto do dormitório. Como ele dormia no beliche de cima, quase podia tocar o gesso do teto caso levantasse completamente o braço. Noora já viu alguns outros soldados escrevendo coisas ali no meio da noite, como se quisessem deixar uma marca nesse local para sempre.

— Eu queria ser escritor — ele respondeu, tão baixo que Jordan entortou a cabeça, como se isso fosse ajudá-lo a ouvir melhor. — Eu escrevia sobre o exército, então sempre tive um tipo de fascínio sobre todo esse estilo de vida. Mas, no momento, eu tenho que deixar meus desejos, minhas ambições e minhas vontades egoístas de lado e fazer o que tem que ser feito. Depois que tudo isso acabar, posso voltar a viver nessa vida utópica e fingir que ser escritor vai me levar a algum lugar.

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