No começo Deus criou os céus e a terra, e eu criei a justiça.
Às 8:00 o despertador tocou, não precisava, eu estava acordada desde as 6:30. Meu corpo estava exausto e minha cabeça doía, eu tinha olheiras tão profundas que faziam meus olhos pesarem. Eu não faço ideia de quantas horas havia de fato conseguido dormir naquela noite, mas com certeza não foram mais de três. Ficar acordada era um tormento, mas quando eu finalmente dormia... os pesadelos, nada podia pará-los, nem o álcool, nem os remédios controlados que obviamente eu tomava de acordo com meu próprio senso de necessidade e digamos que a necessidade era bem alta.
Naquela época eu trabalhava por conta própria, podemos dizer que eu era uma micro empreendedora, uma forma de florear pessoas que tentam crescer na vida com o mínimo de apoio de governo. Não pagava muito bem, mas garantia minha bebida, remédios e o mínimo para eu manter minha casa, meus animais e o mais importante, me permitia trabalhar nos meus próprios horários, o que significava que eu tinha tempo de sobra para dar vazão a tudo que minhas emoções confusas me direccionavam a fazer, eu nunca fiz muita questão de controla-las, lembro de tentar por um tempo, a muitos anos atrás, mas era uma batalha perdida. Eu demorei um longo tempo para perceber que tudo que eu "controlava" estava simplesmente se alojando em algum buraco negro dentro de mim, que lentamente foi se aquecendo, ardendo, borbulhando e inevitavelmente, explodindo como um vulcão. Mas você deve saber como é, quando começamos a encarar o princípio da vida adulta percebemos que nos esconder é a melhor forma de sobrevivência, a sociedade não está e talvez nunca estará preparada para podridão que existe por de baixo das máscaras que usamos todos os dias e o meu tipo de podridão, bom, era como um animal, um predador, uma besta e seres assim, precisam ser mantidos enjaulados.
Pelo menos ninguém poderá dizer que eu não tentei segurá-lo e eu conseguia, quase sempre, mas as vezes, só as vezes, ele precisava sair, ele se esgueirava por entre minhas barreiras e num piscar de olhos bum, ele já havia dominado minha mente, nada de bom nunca saía de momentos assim, coisas quebradas pela casa, sangue pingando dos meus membros, mãos e pés com contusões e uma ressaca moral horrenda no dia seguinte. Isto é o que acontece, quando seguramos nossos monstros. Em algum ponto, percebemos que precisamos deixá-los sair, ou eles nos devoram por dentro.
Naquela semana, a semana onde tudo começou, eu não consigo visualizar uma palavra melhor para descrever o que eu sentia além de exaustão. Meu corpo estava definhando pela má alimentação, excesso de álcool e falta de sono, sem contar com os cigarros e minha mente, minha mente era o pior, eu simplesmente não conseguia silencia-la, nunca! Era como um relógio descontrolado pulsando e pulsando, passado, presente, futuro, tudo se misturava em cenas desconexas que só tinham a única função de me fazer perceber que todo minha vida havia sido uma grande farsa recheada de fracassos os quais eu nunca mais conseguiria me recuperar. Eu não vou mentir, inicialmente eu pensei em suicídio, um outro cliché muito óbvio, mas a verdade é que a morte nunca foi algo triste ou assustador para mim, era uma grande velha amiga, eu dormi e acordei com ela tantas vezes ao meu lado que comecei a me sentir parte dela, a ponto de não saber mais se eu estava viva ou não, se eu era eu, ou se eu era ela, a própria morte. Mas a verdade é que eu não queria me sentir um fracasso novamente e novamente, eu conheço empatia, o suficiente para não deixar as pessoas que eu amo sofrerem e se culparem eternamente pela minha incapacidade de lidar com minha própria mente, não, eu posso ser muitas coisas, mas não era uma covarde egoísta.
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A Dama de Vermelho - O olhar de uma assassina
Misterio / SuspensoAs pessoas costumam dizer que a primeira vez você nunca esquece e não foi diferente comigo. Eu me lembro de tudo. Do vento frio e seco, do cheiro de mato recém cortado misturado com ferro, eu me lembro dos sons, dos gemidos de agonia que não tiveram...