Epílogo 2

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     Rolf ouviu os gritos de dor de Ika dentro da tenda e seu corpo sacudiu em resposta.

     Isso estava acontecendo. O que ele temia por tantos anos estava finalmente se tornando realidade.

     Sua Ika estava morrendo.

     A mulher chamada Alyx prometeu a ele que Ika não morreria, mas ela também o avisou que o processo de nascimento seria doloroso. Rolf sabia que essa era a razão pela qual ele tinha o dever de ficar de guarda fora da tenda. Alyx pensou que ele não seria capaz de controlar a visão de seu Ika em tal dor intensa, e ela provavelmente estava certa. Só de ouvir seus gritos agora era quase mais do que Rolf podia suportar.

     Ele estava apavorado por sua Ika.

     Sua nova companheira Kate estava lá. A bela mulher humana com cabelo ruivo cacheado. Ela estava tentando acalmá-lo, acariciando seu ombro  com a mãozinha. Rolf apreciou o gesto, mas fez pouco para acalmar seus nervos em frangalhos.

     A cada novo grito de dentro da tenda, sua ansiedade aumentava.

     A mente de Rolf voltou para aquela noite há muito tempo, quando ele encontrou Ika pela primeira vez em sua toca. Ika e sua mãe, que morreu ao dar à luz. Por muito tempo, Rolf temeu que a mesma coisa acontecesse com Ika, e agora isso parecia estar se tornando realidade.

     "Oh-kay", disse Kate tranquilizador.

     Ela parecia tão confiante quanto Alyx de que tudo ficaria bem, mas Rolf não podia acreditar.

     Ele iria perder sua Ika. E com ela, ele perderia aquele sentimento quente, lindo e doloroso em seu coração. O sentimento para o qual não havia palavra em sua língua. O sentimento Ika.

     De repente, os gritos de Ika pararam e, um momento depois, outros gritos começaram. Uma voz diferente, pequena e alta, igual à que Rolf ouvira tantos anos atrás.

     Seu coração se afundou nas profundezas do estômago.

     Aconteceu. Sua Ika havia morrido, ele simplesmente sabia disso. Ela deu sua vida ao pequeno ukkur que saiu de sua barriga.

     Gradualmente, aqueles pequenos gritos também desapareceram.

      Por um longo tempo, Rolf apenas ficou parado como uma estátua de pedra olhando para o chão. Kate tentou silenciosamente consolá-lo, mas ele estava inconsolável. Demorou muitos minutos antes que ele estivesse mentalmente preparado para enfrentar a devastação que ele tinha certeza de estar dentro daquela tenda.

     Por fim, Rolf se virou e estendeu a mão para a aba da tenda para espiar lá dentro.

     Mas antes que sua mão alcançasse a tenda, a aba foi empurrada para trás de dentro, e a mulher Alyx estava de pé diante dele. Havia um pouco de sangue em suas mãos, mas seu rosto estava radiante, e isso lhe deu esperança.

     “Rolf, entre e conheça sua neta.”

     Rolf não tinha certeza do que essa palavra significava. Ele estava prestes a perguntar, mas quando entrou e seus velhos olhos se adaptaram à escuridão, a pergunta escapou de sua mente. Só uma coisa importava agora.

     Ika.

     Ela estava viva e sorrindo. Os outros quatro ukkur estavam ao redor dela e cuidando dela.

     O coração de Rolf saltou em seu peito e um sorriso enorme apareceu por trás de sua barba.

     “Ika!” ele engasgou. “Ika, você está viva!”

     Ele correu para o lado dela. Ela estava suada e exausta como se tivesse passado por uma grande provação, mas estava viva, com saúde e feliz.

     “Claro que estou,” ela disse em uma voz suave, e olhou para baixo.

     Lá em seu peito estava uma pequena criatura bocejando.

     A mente de Rolf foi transportada dezoito anos no passado, para uma noite em que ele se sentou perto do fogo em sua toca com uma criatura idêntica roncando suavemente em uma almofada de pelo em seu colo. Uma noite que mudou seu mundo para sempre e deu um novo significado à sua vida.

     Agora acontecera novamente, mas desta vez Ika havia sobrevivido.

     O coração de Rolf doeu de pura alegria.

     “Quem é?” ele perguntou.

     “O nome dela é Mara”, disse Ika, feliz.

     Mara. Era um nome lindo.

    “Ela é ... ela é uma mulher como você, então?”

     Ika assentiu e riu. “Sim. Uma garota, Rolf. Uma menina.”

     Rolf estava tão dominado pela emoção que seu coração parecia que ia explodir no peito.

     Ele olhou ao redor para os quatro ukkur mais jovens que se tornaram os novos protetores de Ika. Eles eram bons ukkur, corajosos e fortes, e Rolf sabia que eles protegeriam a bebê Mara também.

     Ele voltou sua atenção para Ika.

     “Posso ... posso tocá-la?”

      Ika balançou a cabeça novamente.

     Rolf gentilmente colocou a mão no bebê. Ela era tão pequena que sua palma a cobria completamente. Ele tinha esquecido o quão pequeno um novo humano poderia ser. Era difícil de acreditar, mas sua Ika tinha sido tão pequena uma vez, naquela noite tempestuosa quando o destino a depositou em sua caverna.

     Deuses, tão minúscula.

     Mas o coração da criança era forte. Ele podia sentir isso batendo sob sua palma, como um dedo batendo contra a parede.

      Rolf moveu a mão e a ponta do dedo cego roçou na pequena palma da criança. Instantaneamente, os dedos impossivelmente minúsculos se agarraram a ele, segurando a ponta do dedo com uma força surpreendentemente forte.

    Um sentimento familiar surgiu no velho coração de Rolf. Uma sensação que sentiu pela primeira vez dezoito anos atrás. Uma sensação boa, quente e dolorosa que trouxe uma névoa aos olhos.

    Era o sentimento Ika.

     “Rolf”, disse Ika. “Rolf, seus olhos estão vazando. Você esta infeliz?”

     Rolf sorriu e riu passando o nó em sua garganta. Ele estendeu a mão e tocou a bochecha de Ika. Seu pequena Ika, agora crescida em algo mais bonito do que ele jamais poderia ter imaginado. Uma mulher. Uma mãe.

      “Muito pelo contrário, Ika”, disse Rolf. “Estou muito feliz. Na verdade, acho que só fui feliz assim uma vez na vida.”

    “Quando foi isso?”

     “Quando eu te encontrei, minha Ika. Quando eu te encontrei.”













É isso pessoal, concluímos. Não vou prometer mas talvez amanhã eu já poste o primeiro capítulo do último livro da saga. Mas de qualquer jeito ainda essa semana eu posto.

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