7. Oliver

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Tudo estava estranho. Rever o Lucca depois de seis meses trouxe um misto de sentimentos. Nunca ficamos tanto tempo longe. Mesmo quando ele estava no Canadá, e ainda estava tudo bem, nos falávamos todos os dias. Nossa relação sempre foi assim, mas de repente, eu me vi com raiva dele. Tentei lutar contra esse sentimento, mas não consegui. Eu sei que não é justo, eu sei que eu tô errado, mas minha cabeça e meu coração não estão entrando em acordo.

Percebi o quanto ele ficou desapontado quando chegou. Senti que ele esperava mais da minha recepção. E por um momento eu quis muito abraçá-lo, mas logo me veio a imagem do papai. E do Lucca discutindo com ele. Também me veio a lembrança daquela ligação e do Lucca dizendo que não sabia ao certo o que tinha acontecido. Ele mentiu pra mim. Não consegui mais olhar ele nos olhos e apesar dele fingir que estava tudo bem, eu sabia que isso tinha afetado ele. Mas essa era a especialidade do Lucca: Fingir que estava tudo bem.

Maya também estava estranha. O tempo todo tensa, preocupada. Alguma coisa a travou desde a vinda pra cá. Ela mal me olhou nos olhos, mal falou durante o almoço. Por um momento pensei que estivesse envergonhada com a presença da minha mãe, mas não. Maya não é assim. Alguma coisa estava muito errada. Ela também não olhou pro Lucca, eles nem conversaram ou brincaram e se implicaram como sempre fizeram. Algo aconteceu com esses dois.

Já tínhamos terminado o almoço e estávamos na sala quando Maya saiu do banheiro com os olhos vermelhos. A ouvi falando com alguém e perguntei:

— Ouvi você falando com alguém, tá tudo bem?

— Era a Débora. Eu dei um mole com um contrato e você sabe como ela é, né? Eu vou precisar ir embora mais cedo e resolver isso.

— Ninguém vai embora! - Exclamou rapidamente minha mãe.

— Já viram como está o tempo lá fora? Vai cair um temporal daqueles e não quero ninguém na estrada hoje. Isso não é um pedido e não está aberto a discussões. 

Ela foi bastante clara e nem deu chance de ninguém responder. Ela deu uma última olhada em todos nós pra se certificar de que tínhamos entendido o recado e logo saiu pra cuidar da louça.

— Essa é a dona Heloise! Maya disse com um leve sorriso nos lábios. O primeiro desde que chegamos.

—Vou ajudar sua mãe com a louça e você fica aqui. -Disse Maya sem me dar muitas opções.

Senti que ela queria que eu ficasse a sós com Lucca, que estava sentado no sofá olhando o celular.

Éramos completos estranhos ali. Assim que me sentei no outro sofá de frente pra ele, ele deixou o celular de lado e me encarou.

— E aí, como você tá,cara? Ele me perguntou com um tom bastante sereno. Quase como se estivesse com medo da minha reação. Lucca não era assim, mas como não o respondi muito nos últimos meses, acho que ele tava mesmo com medo de eu ignorá-lo.

—Eu tô bem! Você sabe, superando. Tá tudo certo no trabalho e agora com a Maya não podia estar melhor. Não precisa se preocupar comigo.

— Eu sempre vou me preocupar, Oliver… Só passaram seis meses da morte do pai, como você tá com isso? A gente nunca conversou…

— E eu não quero conversar, Lucca… Muito menos com você e sobre esse assunto. 

Não queria ter sido ríspido com ele, mas minha resposta acabou saindo assim.

- Qual é Oliver! Somos irmãos, você não pode evitar isso pra sempre. A gente tem que se resolver, como sempre fez.

Eu senti meu rosto queimando. Não acredito que ele tocou nesse assunto hoje e aqui… Ele poderia tentar falar comigo sobre qualquer coisa, mas não sobre isso, não agora.

— Como sempre fez? Você não pode estar comparando nossos desentendimentos idiotas com isso.

Minha raiva estava aumentando e eu já não conseguia controlar meu tom de voz. Meu rosto já estava quente e minha voz falhando de raiva ao falar com Lucca.

Subi as escadas e fui para o quarto mais distante da sala na esperança que ele desistisse dessa conversa, mas ele foi atrás de mim. Lucca é bastante insistente quando quer.

— Você não pode me culpar pela morte do pai pra sempre. Foi horrível, mas aconteceu e ele se foi… 

— Cala a boca, Lucca! Eu gritei! Eu não queria ouvir aquilo… Não acredito que ele ta fazendo isso comigo, pensei.

— Desculpa, mas você vai ter que ouvir. Vai ter que superar, Oliver. Pode me culpar o quanto quiser, mas nosso pai não tá mais aqui. Ele não vai voltar. Mas eu tô aqui,  sou seu irmão, sinto sua falta e quero que a gente volte a ser como antes…

A voz do Lucca saiu rouca, falhada. Por um segundo achei que ele fosse chorar ali. Seria uma cena inédita já que nunca vi Lucca chorar na vida. Na minha frente ele nunca demonstra vulnerabilidade, mesmo nos momentos mais difíceis. Ele estava com os olhos marejados e por um momento deixou a armadura de lado, mas foi só por uns segundos. Logo seu olhar ficou impenetrável novamente e ele seguia firme como uma rocha. Como sempre esteve.

Cada palavra dele parecia um tiro me atingindo, mas atingiu ele também. Eu escutei tudo aquilo encarando ele, sem acreditar. Meus olhos já estavam cheios de água, minha respiração ofegante e o chão aos meus pés pareciam não existir mais. As palavras ecoaram na minha mente: “não está mais aqui. Ele não vai voltar” A verdade dói. O que o Lucca queria? Me machucar? Eu quis voar no pescoço dele, mas pensei na minha mãe e na Maya lá embaixo… Então apenas me aproximei de Lucca, devagar e disse:

— Você se culpa também, né? Pela morte dele. Você quer que eu te perdoe e quer que voltemos a ser como antes mas nem você pode fazer isso.

— Oliver! Ele disse com a voz trêmula e desviou o olhar pro chão… Nesse momento eu percebi: eu o atingi.

—Você acha que foi só isso? É incapaz de perceber tudo que fez? Eu continuei… 

Eu estava com raiva. Queria magoá-lo, assim como ele fez comigo. Queria ver o Lucca, que é sempre tão controlador dos sentimentos, perder o chão.

— Você mentiu pra mim e pra mamãe. Lucca me olhou com os olhos assustados.

— Você sabia que ele já tava morto quando ligou e não disse nada. Você me deu esperança. Eu fui daqui até o Canadá rezando e pedindo pra tudo que você imaginar que não tirassem o meu pai de mim… Não sem eu me despedir… 

Falei com toda a minha raiva e olhando bem fundo em seus olhos. Lágrimas já desciam pelo meu rosto que já estava quente.

— Oliver! Exclama Lucca confuso, mas eu interrompo… Só ele vai me ouvir agora.

—Ele tava a meses lá com você, e eu não pude me despedir, Lucca. Eu fui com uma esperança que você me deu e que nem existia. Você não mandou mensagem a viagem inteira, eu pensei: “ Se o pior acontecer ele vai me avisar, então tá tudo bem”

EU CONFIEI EM VOCÊ! - eu gritei e Lucca se encolheu como nunca vi. Tinha lágrimas nos seus olhos e ele mal se movia.

Eu estava fora de mim, mas não menti. Tudo que eu disse era o que eu pensava, mas jurei que nunca ia dizer pra ele. Conheço o Lucca e sei o quanto ele vai se culpar por isso. Atingi meu objetivo e o magoei. O magoei muito. Achei que ia me sentir melhor mas não... Sinto um misto de dor e raiva.

Lucca parecia uma estátua. Não se movia e nem conseguia falar nada, ele nem tentava. Seu olhar incrédulo pairava sobre mim fixamente.

— Esse é o irmão que você é, Lucca. E tem razão, nosso pai não tá mais aqui, Mas não é você que vai substituir ele. E eu nem quero isso. Quer me ajudar? Volta pro Canadá e me deixa em paz. 

Quando volto a mim e olho pra porta vejo mamãe e Maya que escutaram tudo. Mamãe me olha e faz um sinal negativo com a cabeça claramente repreendendo o que fiz. Maya me olha desacreditada. Então saio do quarto e vou para o meu. Maya me segue enquanto mamãe vai conversar com Lucca.




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⏰ Última atualização: Aug 07 ⏰

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