9| O plano

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A notícia de que Martha havia acordado trouxe um misto de alívio e ansiedade. O peso que eu carregava parecia ter se aliviado, mas uma nova pressão começava a se formar no meu peito. O que aconteceria agora? Como seria a dinâmica entre nós depois de tudo o que aconteceu?

Nos dias seguintes, eu mal consegui me concentrar nas aulas. As conversas ao meu redor eram apenas um zumbido distante enquanto eu lutava para entender a realidade dessa nova situação. Uma parte de mim queria correr para o hospital, mas a outra parte temia o que eu poderia encontrar lá. E se ela não fosse mais a mesma? E se a dor que tínhamos enfrentado tivesse mudado algo dentro dela?

Quando finalmente tomei coragem para visitar Martha, fui tomada por um turbilhão de emoções. O corredor do hospital parecia mais sombrio do que antes, como se a luz que ela costumava irradiar ainda estivesse ausente. Eu hesitei antes de abrir a porta do quarto, mas a força da saudade e do desejo de vê-la me empurrou para dentro.

Martha estava deitada, os olhos semicerrados, mas havia algo diferente nela. Seu semblante mostrava uma fragilidade que eu não conseguia lembrar. O estalo da porta a fez olhar em minha direção, e aquele momento de contato visual foi como um raio, cortando a escuridão que envolvia nosso mundo.

- Ree... - ela murmurou, e a familiaridade de sua voz ecoou em meu coração, trazendo lágrimas aos meus olhos.

- Oi, Martha. - respondi, segurando suas mãos, que estavam frias como o metal de uma porta. - Como você se sente?

- Eu... não sei. - Ela hesitou, os olhos vagando pelo quarto, como se tentasse juntar as peças de sua memória. - Eu me lembro de algumas coisas, mas está tudo confuso.

O silêncio que se seguiu era pesado, como se estivéssemos mergulhadas em uma água turva. Como eu poderia começar a explicar tudo o que havia acontecido desde que ela foi esfaqueada? O medo se instalou em mim, congelando palavras na minha garganta.

- Você deu um baita susto na gente. - Tentei rir, as lágrimas já escorrendo pelo meu rosto, na esperança de descontrair um pouco a tensão.

- Só assim pra chamar sua atenção, não é? - Martha respondeu com um sorriso tímido, mas logo sua expressão mudou quando ela levou a mão abaixo do tórax, onde a cicatriz ainda deveria estar. - Eu estou bem, só dói um pouco. O médico disse que vou receber alta ainda esta tarde.

Naquele momento, a mistura de alívio e preocupação inundou meu coração. Eu sabia que, embora ela estivesse se recuperando fisicamente, havia cicatrizes emocionais que precisávamos enfrentar. O que ela havia passado não desapareceria tão facilmente. As lembranças e o medo ainda estariam presentes, não importava o que dissesse o médico.

- Que bom que você está se recuperando. - Respondi, tentando manter a voz firme. - Mas e quanto a tudo o que aconteceu? Você se lembra de... você sabe, do que levou a isso?

Martha mordeu o lábio inferior, a expressão dela mudando. O sorriso se desvaneceu e, por um momento, o quarto pareceu ficar ainda mais silencioso. Eu sabia que estávamos prestes a entrar em um território delicado, onde a verdade poderia doer, mas era uma conversa que não poderíamos evitar.

- Eu... - ela começou, mas hesitou, como se as palavras fossem espinhos em sua boca. - Eu lembro de algumas coisas. Mas, por favor, não me faça lembrar de tudo de uma vez.

Senti um nó se formar na minha garganta. Era doloroso vê-la assim, fragilizada, tentando encontrar força em meio ao caos que a cercava. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que precisávamos conversar. Precisávamos entender como seguir em frente.

- Vamos com calma, então. - sugeri, com um gesto gentil. - Estou aqui com você. Vamos dar um passo de cada vez.

Ficamos ali conversando como se o tempo não tivesse passado, como se os anos e o distanciamento nunca tivessem existido. Era como se estivéssemos de volta àquele momento em que éramos inseparáveis, compartilhando segredos e risadas, sem os fantasmas que agora nos cercavam. O peso da dor e da confusão parecia se dissipar um pouco, permitindo que o carinho que uma vez tivemos emergisse novamente.

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