Maria Cristina - Capítulo 16

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Eu estava na festa, tentando me perder na música, no ritmo, dançando e me divertindo. A pista de dança estava cheia e vibrante, as luzes, as músicas e até mesmo a bebida que havia tomado antes estava tão bom e eu estava finalmente me sentindo livre e descontraída. Mas então, um homem começou a me olhar, me vigiar, minha nuca arrepiava demais, decidi deixar para lá, afinal estávamos todos se divertindo, no entanto ele começou a se aproximar de mim, achei que ele estava apenas tentando dançar, mas logo percebi que estava invadindo meu espaço de maneira bem desconfortável e bastante vulgar por assim dizer.

Ele começou a fazer comentários inadequados e a me tocar de uma forma que eu claramente não queria. Eu tentei me afastar, mas ele insistia, tornando a situação cada vez mais perturbadora. Meu coração começou a bater rápido, e eu senti um frio na barriga. A sensação de estar presa e vulnerável me deixou completamente angustiada. Olhei ao redor, desesperada por uma saída, e vi meu irmão saindo de uma área próxima, acredito que no banheiro, assim que me viro sinto sua mão em meu bumbum e depois vejo ele próximo a minha orelha com aquele hálito quente e desagradável. Reuni minha coragem e saí de perto dele

— Qual é gatinha, eu sei que estava gostando — Escutei ao fundo

No caminho para o meu irmão, eu estava tremendo e sentindo uma mistura de alívio por estar ao lado dele e de constrangimento pela situação. O medo ainda estava presente, e eu me sentia envergonhada pelo que tinha acontecido. Chegando próximo ao Leo, me enfio em seu peito procurando um conforto

— Leo, vamos embora

— Maria, o que aconteceu?

— Quero ir embora

— Mas o que houve? Está machucada, sentindo alguma coisa?

— Não, só quero realmente ir embora

— Tranquilo, a gente vai embora, mas antes vamos parar para comer alguma coisa?

—Não, quero ir para o hotel, tirar isso e tomar um banho

— Tranquilo, só vou me despedir deles

Vejo meu irmão se despedir do Enrico, Renzo e Stefano estavam longe

— Até amanhã Enrico — Digo com a voz baixa para ele tentar desviar o olhar, meus olhos posso sentir, estão cheios d’água

— Até amanhã, bom descanso

Enquanto dirigíamos para casa, eu tentei processar tudo o que havia acontecido, sentindo uma mistura de gratidão por ter meu irmão ao meu lado e de frustração pela noite que foi arruinada, eu deveria ter virado e metido a mão na cara dele, chutado seu saco, gritado com ele, depois ou antes sempre pensamos que deveríamos ou iremos fazer isso, mas ali na hora você se sente tão frágil, tão incapaz com tudo isso, me sinto inútil, meu coração aperta, engulo seco

— Cris — Leo me chama baixo — Eu sei que não vai me contar, mas quero que saiba que estou aqui

— Eu sei Leo, você sempre esteve, muitas das vezes, que nossos pais

— Você precisa entender, não foi fácil para a mamãe perder 4 filhos antes de se casar

— Eu sei, mas

— Maria, mamãe teve depressão após o meu parto, ela me negou, papai dizia que ela não queria me ter, que eu sabia o que ela tinha feito, ela não conseguia me olhar nos olhos

— Até hoje ela é assim com você

— Sim, e não a culpo, ela sente remorso, o que eu passei não queria que você e o Ícaro passasse, ainda mais com ela tendo bipolaridade, e a depressão pós-parto não a ajudou, tanto que praticamente quem me criou foi o pai, uns 2 anos depois que a mamãe conseguiu me pegar no colo. Logo depois veio o Ícaro, eu me sentia responsável por ele e ainda mais com você, depois que você nasceu, virou o xodó de nosso pai, nossa mãe você sabe, ela é louca de amor por ele, ela teve ciúmes de vocês dois — Leo raramente se abria tanto sobre nossa infância, de nós três com certeza ele teve o maior impacto

— Mas não era sua obrigação

— Mas era e é o meu dever, eu sou seu irmão mais velho, se eu não servir para proteger meus irmãos mais novos para que eu sirvo!? — Às vezes esqueço que Leo é meu irmão, não meu responsável

— Eu sei disso, mas

— Mas nada — Leo para o carro na frente de um drive-thru — Cris, me conta o que aconteceu, não como se fosse a pessoa que criou você e que você tenha medo de ser repreendida ou qualquer coisa assim, sei que é difícil para você ainda mais depois que nossos pais viajaram e deixaram somente nos 3 depois que os pais da mamãe faleceram, mas tenta entender, eu sou seu irmão mais velho também, eu estou aqui para ser sua ancora, para brigar, implicar, te ajudar e te acolher

— Depois que eu contar não vamos voltar, vamos embora

— Depois que você comer, se não amanhã, você acorda de ressaca por não ter comido nada

— Que seja

— Fala Cris — Diz ele já um pouco sarcástico

— Quando eu estava dançando, teve um homem que estava me secando, mas achei que era impressão minha, ou até mesmo besteira da minha cabeça, mas ele foi para a pista de dança, depois meio que forçou a entrar no mesmo espaço que o meu, me senti desconfortável, quando ia saindo ele passou a mão em meu corpo e falou umas coisas no meu ouvido, naquele momento eu paralisei — Fico olhando para a frente, sem fazer contato com meu irmão, minhas mãos estão fechadas sobre meu vestido, tento criar toda coragem e continuar falando com ele — Eu não sabia o que fazer, eu fiquei com medo, intimidade, me sentindo suja e imoral e.....

— Cris — Leo me puxa e me abraça forte e faz cafuné em minha cabeça — Não é culpa sua e nunca vai ser, ele que é o sujo, desprezível, você é incrível — Ouvindo tudo isso eu o abraço apertado e começo a chorar, desabo de soluçar enquanto estou em seu abraço — Pode chorar à vontade vou ficar aqui, não tenho outro lugar para ir a não ser aqui

Desde pequena, minha vida girava em torno do Leandro. Ele sempre foi meu pilar, o alicerce que sustentava tudo ao meu redor. Às vezes, é curioso como eu me vejo esquecendo que ele é apenas meu irmão. Na verdade, muitas vezes eu o vejo como um pai ou uma mãe, alguém que cuida de Ícaro e de mim com um zelo que vai além do que eu esperaria. 

Lembro-me de um momento em particular que exemplifica bem essa sensação, a alguns tempos atras antes dele sair de casa, estávamos juntos na cozinha, preparando o jantar, e eu estava especialmente cansada e desanimada. Ele, com seu jeito protetor, estava me ajudando, dando conselhos e tentando me animar. Às vezes, as palavras que ele usa, o cuidado no tom de voz, parecem ser tão maternos quanto paternos. Foi nesse momento que eu percebi, com um misto de surpresa e gratidão, que mesmo nas pequenas coisas, ele não se limita a ser um irmão, ele é meu guia, meu apoio.

Depois, em uma dessas situações em que a vida me desafia e o peso das responsabilidades me atinge com força, eu sinto a falta de um carinho mais profundo, e é então que eu me deparo com a verdadeira essência do nosso relacionamento.
Aquele instante de carinho e preocupação dele, por mais simples que seja, me lembra do quanto ele se importa. É um gesto de cuidado que, mesmo que não seja sempre explícito, ressoa com um afeto tão profundo que pode ser confundido com o amor de um pai ou de uma mãe.

— Eu sei Leo — Tento dizer de forma firme segurando o choro, me afasto dele e ele se aproxima e me dá um novo abraço reconfortante, isso me faz lembrar das coisas simples que ele fazia na nossa infância, seja uma implicância, uma brincadeira ou quando ele simplesmente sorri de uma maneira que só ele sabe fazer, eu me lembro do verdadeiro significado da nossa conexão. A sensação de que ele é mais do que um irmão — Você sabe que é uma parte fundamental do meu mundo, um suporte constante não sabe!?  — Esse sentimento volta com toda a força. Nesses momentos, a linha entre um irmão e um pai ou mãe se desfaz, e o que resta é a pura essência do amor que ele sempre teve por nós.

— Eu sei Maria, eu sei, afinal você é a minha Tribal favorita — Diz ele rindo

— Até hoje quero entender sobre isso

— Um dia te conto, mas não hoje, mas agora vamos comer, pois você deve continuar bem, afinal, não é você que vivia dizendo que devemos mostrar as pessoas ruins que a maldade não adentra nossos corações e devemos continuar sendo gentis e boas — Diz ele secando as lagrimas em meu rosto — Mas você precisa aprender a se defender, não só desses tipos de imbecis, mas de outros também, tipo seu chefe. Te juro, revida nele que eu pago sua fiança com dois sorrisos na cara

— Você para com isso Leo, depois perco meu réu primário e a gente não sabe o motivo né

— Preocupa não, eu conheço alguns advogados, que tenho quase certeza que faria isso de graça se conhecesse ele viu

— Aiai, sabe, agora estou com fome — Faço beicinho para ele como uma criança atentada

— E você acha que parei aqui atoa, eu sabia que nada iria fazer você perder sua fome, ninguém nunca vai ser tão importante para fazer isso

— Sabe, nem lembro mais o motivo

— Pode parar, nem lembrar mais, isso aconteceu, mas foi tão insignificante e sem impacto na sua vida que você não se lembra, mas quando voltarmos você vai começar a fazer autodefesa, pela sua própria segurança

— Está bem, mas e agora!?

— Agora nós vamos comer, pois ninguém é de ferro e vamos para em uma distribuidora, comprar cerveja, batatas fritas, salgadinhos, doces e ver alguns filmes como fazíamos quando criança

— Mas a gente não bebia cerveja

— A cerveja é no lugar do refrigerante. Mas é tribal mesmo

Começamos a rir, realmente, em algumas ocasiões é bom ter o Ícaro e em outra o Leo, mas eu queria ter os dois sempre próximos de nós, principalmente agora que nossos pais começaram a ser país mesmo, não que eles nunca fossem, mas depois de tudo, dos ciúmes de mamãe, ela se sentir culpada pelos 4 filhos que não teve, a rejeição que teve conosco e até mesmo outras coisas, depois que começou a fazer um tratamento adequado nossa vida melhorou, por mas que tenha demorado quase 20 anos, fico feliz que hoje ao menos isso seja estabilizado em minha.

— Ok então, mas e se tudo terminar em pizza?

— Podemos terminar em pizza então

Ambos estamos voltando para o hotel rindo e se divertindo, essa noite ninguém vai conseguir estragar.

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