Capítulo Dois.

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  Caminhando pelas ruas de pedra, Antonia e Clarissa conversavam animadamente enquanto tomavam um sorvete caseiro que compraram na venda da praça. A amizade entre as meninas era antiga: suas mães também eram melhores amigas. O elo entre as duas era tão forte que quando alguma estava sozinha as pessoas logo começavam a perguntar da outra. Depois de dezenove anos de amizade, era certo que as duas fossem confidentes.

— Ele não sabe quem eu sou, Clari — contou Antonia rindo. Estava atualizando a amiga dos acontecimentos da noite anterior.

A amiga, no entanto, não parecia comprar esta história. Para Clarissa todo mundo em Ouro Fino se conhecia e pior: também conheciam as pessoas das cidades vizinhas.

— Como não, Tomtom? — a amiga respondeu, dando uma colherada em seu sorvete de cajá — Bode tem bigode e nem por isso vai no barbeiro.

Antonia riu, a risada suave ecoando pela rua de pedras. Às dez da manhã de uma sexta-feira o povoado estava pouco movimentado, a maior parte dos moradores trabalhando em outras cidades. As duas também haviam acabado de chegar, voltando de Goiás Velho aonde faziam faculdade para almoçarem em casa.

— Ele me levou em casa, mas eu pedi que me deixasse na casa dos peões. Deve pensar que meu pai é algum funcionário da fazenda... — deu de ombros a menina.

Antonia não tinha esse costume de esconder suas origens, mas era de conhecimento geral que a família Batista e a família Abreu não se bicavam e ela pensava que, se soubesse quem era, José Miguel não a teria deixado participar da roda de viola ou pior, teria ido imediatamente contar ao seu pai sobre sua fuga simplesmente para ter alguma diversão. Não que ela conhecesse muito bem os Abreu, mas seu pai sempre lhe disse que nada de bom vinha de Francisco Abreu, e José Miguel era seu filho.

— Ele pode até ser bom violeiro, mas não vale a dor de cabeça — disse Clarissa. Naquele momento, o estômago da moça roncou alto, arrancando gargalhadas da dupla.

— Vem almoçar comigo hoje, Clari! A Dulce vai fazer aquele franguinho caipira com quiabo que a gente ama... — convidou Antonia, sabendo que a amiga jamais negaria o almoço de Dulce, a cozinheira de sua casa.

— Vou ligar para o meu pai e avisar! Não perco esse almocinho por nada no mundo!

Enquanto as duas caminhavam até a RAM preta estacionada rua acima, Clarissa ligava para seu pai para informá-lo que não almoçaria em casa. Seu pai, Fernando, era prefeito da Cidade de Goiás, cidade em que o povoado era anexado. E, por ser um homem muito ocupado, exigia que a filha lhe comunicasse cada um de seus passos durante o dia para que ficasse mais tranquilo. Após receber a permissão do pai, as duas moças subiram na camionete e deram partida rumo à Fazenda Santos Reis.

Estava quase no horário do almoço quando José e os peões terminaram de contar a boiada. Os dois mil bois que trouxeram estavam todos ali e agora ele poderia finalmente sair do curral e ir cumprimentar seu pai. Eles não se viam há dez dias e algumas poucas horas e, por mais que não fossem muito carinhosos um com o outro, não gostavam da distância.

Depois que sua mãe, Joana, morrera quando ele tinha acabado de completar dezoito anos, seu pai ficara muito sozinho na fazenda. João Felipe, seu irmão mais novo, viajava muito para competir em suas provas de laço e, por mais que seu pai tentasse bancar o durão, sabia que ele sentia falta da casa cheia de alguns anos atrás.

— Pai? Cheguei! — chamou José ao entrar na varanda que cercava o casarão em que viviam. Nas paredes, os canarinhos de seu pai pareceram reconhecer sua presença e cantaram animados nas gaiolas.

— Meu menino! Venha entrando, seu pai e irmão estão almoçando! — sorriu-lhe a avó materna, Adelina, lhe dando a benção e um beijo na testa.

A senhora usava um vestidinho florido e um lenço amarrado nos cabelos, que já eram todos branquinhos. Apesar da idade, Adelina se recusava a deixar de cozinhar para os netos e o genro e José, que sempre fora apaixonado na avó, jamais reclamaria de comer sua comida todos os dias. A abraçando de lado, a ajudou a caminhar até a sala de jantar da casa. Aos setenta e quatro anos, ela apresentava uma leve dificuldade para andar.

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