Capítulo Cinco.

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Antes de entrar em casa, José abriu a porta do passageiro da camionete para pegar seu chapéu e foi então que percebeu: Antonia esqueceu sua bolsa. Ele sorriu com aquilo, pois agora tinha um motivo para encontrá-la novamente. Claro, o sorriso do filho não passou despercebido para Francisco, que ainda conversava com o padre ali por perto e também viu a bolsa de couro marrom no banco da frente da camionete.

— E essa bolsa ai, Zé? — perguntou Seu Francisco.

José até pensou em lhe dizer a verdade, mas não queria iniciar uma discussão com o pai logo pela manhã.

— É de uma amiga, pai — respondeu o rapaz, colocando o chapéu na cabeça e pegando a bolsa.

Não deu tempo para mais questionamentos e subiu rapidamente as escadas, entrando em casa como se fugisse do próprio pai.

— É padre, vai ver Deus colocou uma mulher na comitiva desse maluco... — riu Francisco.

Antonia havia acabado seu café e seu corpo já começava a pedir por um cochilo, já que passara a noite toda em claro. Levantando-se, a menina se despediu da mãe e do pai e caminhou em direção a saída da sala de jantar, mas foi parada pela voz de seu pai, que a chamou quando a mesma alcançara a porta.

— Minha filha, eu sou muito grato pelo Zé ter ajudado ocê hoje — começou Manoel, — mas eu prefiro que da próxima vez cê me ligue. Entendido?

— Entendido, papai — sorriu a menina, deixando a sala de jantar e recolhendo-se em seu quarto.

Assim que conectou seu celular no carregador, uma notificação brilhou no aparelho: @abreujosemiguel seguiu você no Instagram. Ela não conseguiu evitar sorrir com aquilo e, na mesma hora, solicitou para segui-lo de volta. A solicitação foi rapidamente aceita.

Antes de se deitar Antonia stalkeou o perfil de José inteiro, mas não havia muita coisa além de algumas fotos de bezerros, paisagens e pouquíssimos registros aonde ele aparecia. Eram dois, no total: um desejando feliz aniversário para a avó e uma foto dele ainda pequeno, nos braços da mulher que ela deduziu ser sua mãe. A legenda dizia "lembrança ainda me resta, guardada no coração". Ela não percebeu quando, mas dormiu com o celular nas mãos.

Algumas horas depois, no povoado Ouro Fino, Dona Adelina acendia uma vela na igreja para os netos. O povoado estava movimentado com o fluxo de pessoas chegando para a santa missa de domingo, mas na sala de promessas o silêncio reinava.

— Meu glorioso Santo Antônio, eu sei que tenho te pedido muito isso, mas ando preocupada com a vida dos meus meninos. Prometi para a mãe deles que cuidaria pra que cada um construísse uma família, mas eles só sabem me estrovar. Rezo pra te pedir que interceda na vida deles, principalmente na do Zé, que costuma ser mais solitário e o senhor sabe disso... Ele tem aquele jeitão quieto dele mas no fundo sei que ele se sente sozinho. Óia meu santinho, o senhor nunca faio comigo e eu sei que há de atender o pedido dessa velhinha, converse com nosso senhor Jesus Cristo por mim. Amém.

Ao deixar a sala de promessas, a senhora caminhou para o primeiro banco da igreja, aonde estavam já sentados seus dois netos e o genro. João Felipe sempre acompanhava a avó à igreja, mas José era um tanto relutante quanto a isso e só frequentava as missas de domingo, que eram inegociáveis para a avó e também para a maior parte da população do povoado. Naquele dia, quase todos os moradores iam a igreja e depois se encontravam na feira.

Instintivamente, José procurou pela família de Manoel Batista do outro lado da igreja. Desde que ele se entendia por gente as duas famílias se sentavam em lados opostos: os Batista estavam sempre na primeira fileira à direita e os Abreu na primeira à esquerda, e jamais se misturavam. Ele demorou algum tempo para reconhecê-la, teve que apertar os olhos para ter certeza de que era ela.

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