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(10 anos antes)

- Papai, quando poderemos ver a mamãe?

- Tenha calma, minha menina. Vamos almoçar e, em seguida, iremos até o hospital - meu pai diz, tentando manter o sorriso no rosto. Mesmo com apenas 8 anos, percebo o esforço que ele faz para não chorar.

Seguro suas mãos por cima da mesa, sentindo a tensão.

- Por que está triste?

- Não estou triste, minha filha. Estou apenas cansado da viagem - ele responde, apertando levemente meus dedos. - Mas em breve nos juntaremos a sua mãe para matar a saudade.

Mesmo tão nova, sinto que há algo mais por trás de suas palavras. Seu olhar parece distante, como se ele estivesse tentando esconder uma verdade difícil.

Esqueço o que estávamos conversando quando um enorme pedaço de bolo é colocado na minha frente. Mesmo dizendo que não tem fome, insisto para que ele coma um pedaço do bolo. Momentos assim são raros para nós como o dinheiro para faze-los.

Apesar de não passarmos fome, sei que boa parte do dinheiro que meu pai ganha como ferreiro é todo enviado para o tratamento da minha mãe. Ela está muito doente e por isso nos mudamos há três anos para o Japão. Minha tia Fátima, irmã do meu pai também mora aqui e foi por isso que viemos para cá, em busca de um tratamento melhor para minha mãe.

Termino de comer o doce e após pagar a conta saímos em direção ao hospital, pois a viagem será longa. Moramos em Nara que fica uns 30 km de Osaka onde minha mãe está e minha tia mora. Como é muito caro o custo de vida, meu pai disse que só conseguimos visitar minha mãe uma vez por mês.

Essa jornada de Nara a Osaka, mesmo que curta, é um verdadeiro rito de amor e esperança, algo que aguardo com ansiedade a cada mês. As circunstâncias não são fáceis, mas há tanta força na maneira como meu pai enfrenta isso que prefiro ficar calada e não dar nenhum tipo de aborrecimento a ele. Cada visita ao hospital se torna um evento precioso, um momento para se reconectar e renovar as energias diante dos desafios.

Após 1 hora de viagem de ônibus, chegamos ao hospital onde minha mãe está internada, quando chegamos na recepção vejo minha tia e meu primo Samir, mas ao nos olhar vejo lágrimas nos olhos de ambos.

- Filha, fique sentada aqui enquanto converso com sua tia - meu pai pede.

- Mas papai, quero ver a mamãe - suplico.

- Só um momento enquanto converso com ela, vou pedir ao seu primo para fazer companhia.

Esse momento parece carregado de tensão e incerteza. Ver minha tia e primo com lágrimas nos olhos deve ter aumentado a minha ansiedade, porque fiquei apreensiva. Meu primo Samir logo vem ao meu encontro e me abraça pelos ombros.

- Ei prima, que tal tomarmos um sorvete enquanto seu pai e minha mãe vão ver a tia?

- Eu quero ver minha mamãe Samir, por que meu pai não me deixou entrar com ele.

- Ele precisa conversar com o médico primeiro, depois ele vem buscar você. Venha comigo.

Após um tempo que pareceu uma eternidade, Samir e eu voltamos ao hospital. O sorvete que ele insistiu para que eu tomasse não desceu bem; cada colherada parecia mais amarga do que a anterior. Meu coração estava pesado, como se, de alguma forma, soubesse que algo muito sério estava acontecendo.

Enquanto passávamos em frente a uma cafeteria ao lado, vi três homens saindo apressadamente. Um deles esbarrou em mim, derrubando o café quente que segurava. Senti o líquido escorrer pelo meu casaco grosso de inverno. Felizmente, o casaco era espesso o suficiente para me proteger de uma queimadura, mas ainda assim, minha roupa ficou toda suja, assim como a roupa do homem que esbarrou em mim.

Set Me FreeOnde histórias criam vida. Descubra agora