Prólogo

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Lizie

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Lizie


A minha cabeça estava explodindo, e nem era por ter bebido muito, nem poderia colocar a culpa no álcool, mas nos pensamentos acelerados que uma vez ou outra me faziam perder o sono. A noite passada havia sido uma loucura. Tinha começado muito bem, minhas amigas usando os vestidos feitos por mim, a promessa de encontrar o Marcelo, um jogador de futebol que eu estava saindo há algumas semanas. Ou seria meses? A maldita dor de cabeça não me deixava lembrar. Era para ser uma noite memorável, e foi, só que para o lado ruim.

Cheguei à festa toda glamourosa. Sue era a organizadora, e eu havia me oferecido para ser um dos itens do leilão beneficente que ajudaria a arrecadar fundos para construção de um hospital comunitário. Era o sonho dela, então pedi para Marcelo também participar. Ele tinha um bom coração e estava louco por mim, então disse que não haveria problema. Muita gente compareceu na esperança de conseguir um dia ao lado dele. Combinamos de não nos falarmos naquela noite, para despistar a mídia, embora houvesse boatos de que estávamos juntos era melhor não arriscar. Ainda mais porque não estava saindo só com ele, já que não éramos exclusivos.

O maior problema foi quando o leilão começou e percebi que dois homens estavam brigando por um jantar comigo. Marcelo e Guzman deram lances altíssimos e não parecia que iriam parar. Fiquei apavorada e fugi da festa feito uma covarde. Não que tivesse compromisso com nenhum dos dois. Era solteira e teoricamente poderia sair com quem quisesse. Não me iludia que era a única garota que os jogadores mais famosos da atualidade estavam ficando.

Não estava nos planos Guzman aparecer e armar aquela confusão dos lances. Pensei em ligar para os dois e conversar, cada um separado, claro. Faria isso depois do café da manhã que havia combinado de tomar com a minha mãe.

Estava no clube onde só a nata da sociedade se reunia para fazer coisas idiotas. Minha mãe estava em algum lugar conversando com suas amigas socialites e me esqueceu plantada no restaurante onde havia combinado de tomar um brunch comigo. Ainda bem que tinha escolhido um cantinho mais reservado. Estava concentrada no meu suco de melancia quando alguém disse meu nome, o que me fez despertar. Até então não havia percebido o teor da conversa na mesa atrás de mim.

Ergui os olhos e vi a minha própria imagem refletida na parede de espelhos. Estava usando óculos escuros que escondiam meus olhos azuis e as olheiras da noite insone. Amarrei os cabelos longos e loiros em um rabo de cavalo e prendi com a viseira. Estava vestida com roupas de jogar tênis, pois pretendia jogar com a minha mãe e uma amiga dela com a filha. Desconfiava que na verdade se tratava de um filho, já que a conversa da minha mãe era de que eu precisava sossegar e arrumar um marido.

Eu estava de costas para a mesa deles, mas para o meu azar havia uma parede de vidro que me dava uma bela visão dos babacas fofoqueiros da mesa atrás de mim.

— Foi estranho, do nada ela se levantou e saiu correndo — a voz número um continuou falando.

Alguns estavam de costas e não deu para ver o rosto, então resolvi nomeá-los numericamente.

— Ela não deve ter acreditado que o lance iria tão alto, um milhão de reais por um jantar? O que ela tem, boceta de ouro? — falou a voz número dois, essa era grave e profunda, do tido que faz uma mulher estremecer, no meu caso foi de raiva.

Alguns deram risadas, mas um ou dois continuaram sérios.

— Ouvi dizer que ela está saindo com os dois jogadores, os mesmos que deram os maiores lances, gulosa não? — babaca três disse cheio de malícia. — Está explicado o motivo de ter saído correndo antes de acabar o lance.

— Não ficaria surpreso se aparecesse grávida, o clássico golpe da barriga. Esse tipo de mulher adoraria garantir a poupança para o resto da vida.

Apertei o copo com tanta força que até poderia quebrar.

— Não sei por que estamos perdendo nosso tempo falando disso. E daí que ela é bonita, mas não vale tanto? Digo, não vale o nosso tempo. Melhor mudarmos de assunto.

Olhei bem para o homem que havia dito isso, ele era até interessante, mas precisava urgente de um corte de cabelo. Quem era ele para medir a beleza e o valor de alguém?

— Sério? Não ficou nem um pouco curioso?

Não deu para ver quem fez a pergunta.

— Com o quê? Perder meu tempo falando de uma mulher que foi leiloada e nem vale metade do lance que foi dado? Ela nem era tão bonita assim, mercadoria superfaturada, na minha opinião.

Levantei-me de uma vez e caminhei até a mesa. Parei olhando o rosto de cada um, devia ter uns sete homens na mesa. Tirei os óculos para que vissem em meus olhos o quanto estava furiosa e me reconhecessem, embora não estivesse usando maquiagem, apenas um corretivo para esconder as olheiras que falhou miseravelmente.

— Olá, rapazes, ou devo dizer moleques, porque ficar fofocando desse jeito sobre uma mulher não é atitude de homem — afirmei, em seguida apontei para o descabelado —, agora você, repita o que acabou de dizer se for homem.

Ele me mediu dos pés à cabeça, o desdém substituindo aos poucos a surpresa.

— O quê? Que você nem é tão bonita? Acho sim que é perda de tempo ficar falando de você...

Não vi a hora que joguei o conteúdo do copo em sua cara antes que ele me chamasse novamente de mercadoria superfaturada. O homem se levantou de uma vez surpreso. Líquido vermelho caía sobre a sua camisa polo branca e short bege.

— Está maluca?

— Idiota, invejoso. Está morrendo de inveja por não poder ter a mercadoria? Deve ser um mané pé-rapado, filho da puta.

— Liziane, que diabos está fazendo? — A voz da minha mãe me paralisou. — Sinto muito, pessoal, ela... com licença, peço perdão por esse episódio.

Minha mãe me puxou pelo braço praticamente me arrastando para fora do restaurante onde olhares curiosos nos observava. Puxei meu pulso do seu aperto e voltei para pegar a minha bolsa que estava na mesa. Na volta mostrei o dedo do meio para os homens que me encaravam assustados. Silvia entrou em uma sala reservada para sócios e fechou a porta.

— Tem noção da vergonha que me fez passar? Sabe quem são aqueles? Médicos, políticos importantes, pessoas que você deveria tentar se relacionar e não virar uma puta barata de jogador de futebol que vai te trocar por outra novidade.

Meus olhos se encheram de lágrimas. Silvia nunca foi uma mãe carinhosa, mas nunca havia falado comigo daquela forma antes.

— Mamãe, eles estavam falando absurdos de mim, e o que eu deveria fazer, ficar lá fingindo que não estava ouvindo?

— Seria o correto a se fazer. Uma mulher de classe não se rebaixa dessa forma. Eu te criei errado, muito errado.

Estava cansada de ouvir minha mãe dizer que eu não tinha classe, que não era inteligente o suficiente, que a minha beleza não me levaria a nada se não soubesse usar ao meu favor. Antes que ela começasse com o maldito discurso ataquei.

— Me criou? Você nunca se deu a esse trabalho, se bem me lembro, se tivesse que chamar alguém de mãe não seria você.

Senti o tapa queimar em meu rosto. Sem dizer mais uma palavra abri a porta da sala e corri para o estacionamento. Não ficaria nem mais um minuto naquele lugar. Nada naquele dia deveria ser lembrado. Faria questão de apagar cada segundo da minha mente para sempre.


Corações Rendidos - A paixão indesejada do médicoOnde histórias criam vida. Descubra agora