Capítulo 01: Ecos de Silêncio

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A luz da manhã esgueirava-se pelas frestas das cortinas de linho do pequeno apartamento em Solheim, acariciando delicadamente os móveis de madeira clara e o piso de carvalho polido. O ambiente era silencioso, exceto pelo suave murmúrio do vento do lado de fora, carregando o cheiro fresco de pinheiros e um leve toque de maresia que subia do fiorde próximo. Era uma manhã típica naquela cidade escandinava; fria, mas ainda assim com um toque de suavidade no ar.

Emma Sørensen sentou-se na beira da cama, os cabelos loiros desgrenhados caindo como uma cascata suave sobre os ombros nus. Ela encarava o espelho oval que ficava na parede oposta, seu reflexo parecendo distante e quase irreconhecível. Os olhos azuis, normalmente vibrantes e cheios de vida, agora estavam opacos, ofuscados por um turbilhão de emoções que ela mal conseguia entender. O lençol de linho, amontoado ao seu redor, formava uma espécie de casulo que a isolava de tudo o que acontecia além daquelas quatro paredes.

Ao seu lado, Lucas Jensen ainda dormia, sua respiração tranquila e ritmada. Seus lábios estavam levemente entreabertos, um leve sorriso pairando como um eco de algum sonho agradável. Ele sempre fora assim, até mesmo em seu sono – um reflexo de serenidade. Mas Emma não conseguia sentir o mesmo. Enquanto olhava para Lucas, sentia uma mistura de amor e algo mais... uma sensação inquietante que borbulhava sob a superfície de sua pele. Ela se perguntava se era possível amar alguém profundamente e ainda assim sentir uma insatisfação tão avassaladora, uma sensação de que algo estava sempre faltando.

Emma fechou os olhos, tentando encontrar dentro de si o que estava quebrado. Ela pensou nas noites em que se aninhava ao lado de Lucas, ouvindo sua respiração regular, e como aqueles momentos, outrora tão confortantes, agora a deixavam agitada. Ela pensou em como seu coração ainda acelerava quando ele a tocava com ternura, mas não da maneira que ela desejava. Algo no toque de Lucas, mesmo sendo gentil e carinhoso, parecia recuar antes de chegar ao fundo de sua alma. Era como se eles estivessem dançando em torno de algo que não queriam enfrentar.

Lucas tinha uma beleza peculiar, que não se encaixava nos padrões típicos de masculinidade que muitas mulheres procuravam. Seus traços eram delicados, quase femininos. A pele pálida e lisa, o cabelo castanho escuro que caía suavemente em torno de um rosto de linhas suaves, e um corpo magro que mais sugeria fragilidade do que força. Havia uma graça nele que muitas vezes confundia as pessoas – uma androginia natural que fazia com que todos, incluindo Emma, o enxergassem de maneiras diferentes.

Ela o amava. Não havia dúvida disso. Seu coração ainda batia mais rápido quando ele a olhava de uma forma específica, ou quando ele a abraçava ao final de um longo dia. Mas, nas últimas semanas, aquele amor parecia deslocado, como se estivesse tentando preencher um espaço que não pertencia mais a ele. Talvez o problema não estivesse nele, mas nela. A sensação era como se ela estivesse assistindo a sua própria vida de fora, sem conseguir se conectar com ela.

No dia anterior, ao caminhar sozinha pela cidade, Emma passou por uma loja de antiguidades e viu uma caixinha de música empoeirada na vitrine. O objeto a atraiu, e, ao abrir a tampa, ela ouviu uma melodia suave, mas hesitante, quase quebrada. Ficou ali por um tempo, ouvindo o som se repetir, notando como cada nota parecia tentada a soar mais alto, mas recuava antes de se completar. Ela se sentiu exatamente assim: uma música inacabada.

Ela suspirou, o som escapando de seus lábios com uma mistura de frustração e resignação. Levantou-se da cama, vestindo um robe de seda creme que roçou contra sua pele com uma suavidade familiar. Os pés descalços fizeram um leve ruído contra o piso de madeira, e ela saiu silenciosamente do quarto, deixando Lucas em sua serenidade inconsciente.

O pequeno corredor que levava à cozinha era adornado com fotografias em preto e branco que Lucas havia tirado. Retratos de ruas vazias, sombras profundas sobre fachadas de prédios antigos, pessoas andando apressadas sob guarda-chuvas em dias de chuva. Cada uma dessas imagens capturava um pedaço da cidade de Solheim, como se tentasse congelar o fluxo incessante de suas vidas. E, ainda assim, Emma se sentia descolada daquilo tudo. As fotografias, embora belas, pareciam mais distantes do que nunca, como se pertencessem a uma realidade que ela não conseguia mais acessar.

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