A Dança do Desejo

Capítulo 03: Ecos do Passado

O apartamento estava mergulhado em um silêncio inquietante após a conversa. Emma e Lucas tinham voltado para seus próprios cantos, tentando processar o que havia sido dito, o que havia sido sentido. A tensão, porém, ainda pairava no ar, como o eco de uma música que teima em não morrer.

Emma

No quarto, Emma se sentou na beira da cama, o olhar perdido na escuridão. Seus dedos brincavam nervosamente com a colcha de linho. A conversa com Lucas parecia reverberar dentro dela, cada palavra voltando com uma intensidade que ela não conseguia ignorar.

Ela pensou em quando se conheceram na faculdade. Naquela época, tudo parecia simples, como se o futuro estivesse perfeitamente traçado na sua frente. Ela se lembrou de quando o viu pela primeira vez, no início do outono. O campus estava cheio de novas faces, mas Lucas se destacava sentado sozinho em um canto da biblioteca, parcialmente escondido atrás de uma pilha de livros. Seu rosto era delicado, quase etéreo, com cabelos castanhos caindo suavemente sobre os olhos. Ele não era como os outros rapazes - não tinha a arrogância ou a agressividade que parecia ser a norma. Pelo contrário, havia uma suavidade e uma introspecção nele que a intrigava. "Ele parecia tão fora de lugar e, ao mesmo tempo, exatamente onde deveria estar," pensou Emma.

Alguns dias depois, quando ele finalmente se aproximou, suas mãos tremiam levemente enquanto falava. "Oi, eu sou o Lucas... Será que... você poderia me ajudar a encontrar um livro?" A voz dele era suave, quase hesitante, e ela percebeu que, apesar de sua aparência incomum e quase feminina, havia uma sinceridade em cada palavra. Naquele momento, ela se sentiu inexplicavelmente à vontade ao lado dele. Ao longo do tempo, Emma se viu cada vez mais atraída pela forma como ele via o mundo - não filtrado pelas normas ou expectativas dos outros. Havia algo de puro e genuíno em como ele a olhava, como se ela fosse a única pessoa no mundo.

Naqueles primeiros anos, tudo era emocionante e novo. Eles compartilhavam sonhos e promessas, imaginando uma vida cheia de aventuras e cumplicidade. Lembrou-se de uma noite específica no último ano da faculdade, quando Lucas havia preparado um piquenique surpresa para comemorar seu aniversário. Eles se sentaram em uma colina, debaixo de um céu estrelado. Emma se lembrava de como a brisa fresca passava por seus cabelos e de como Lucas a puxou para perto, envolvendo-a com seu casaco. Aquele era o tipo de amor que ela sempre quis - seguro, reconfortante. Mas, naquela noite, algo mudou. Ela não sabia exatamente o que era na época, mas agora conseguia identificar um início de inquietação em seu coração. Ela queria mais. "E se o mais que eu quero nunca vier?", questionou-se.

Com o passar dos anos, esse desejo por "mais" se tornou mais difícil de ignorar. As noites de amor eram sempre ternas, mas previsíveis; o carinho, sempre presente, mas de alguma forma distante. Até mesmo seu envolvimento com a dança parecia incapaz de saciar essa fome que crescia dentro dela.

E então Clara apareceu em sua vida, como uma tempestade repentina. Clara era tudo o que Emma não era - ousada, livre, sem amarras. Pela primeira vez, Emma se viu confrontada com uma versão de si mesma que nunca havia considerado. Clara desafiava suas percepções, forçando-a a questionar o que realmente desejava. "Eu quero ser mais como ela? Ou apenas quero ser mais eu?", refletiu.

Emma fechou os olhos, tentando acalmar sua mente. A lembrança do homem no clube, seus olhos escuros fixos nos dela, voltou com força total. Aquele momento de desejo bruto e incontrolável era tão oposto ao amor gentil que tinha por Lucas. "Será que sou assim tão diferente de quem pensei ser?" ela se perguntou. E, se fosse, o que isso significava para seu casamento, para sua vida?

Ela suspirou profundamente, sentindo uma lágrima silenciosa escorrer por seu rosto. A conversa com Lucas havia despertado algo - um reconhecimento de que talvez o que ela procurava não estivesse em outro alguém, mas em si mesma. "Preciso encontrar quem eu sou antes que tudo se perca." Algo precisava mudar, mas ela ainda não sabia o quê.