onze

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Beatriz

cinco anos atrás...

Voltava da escola feliz. Tinha conseguido recuperar a nota em Química, então não precisaria me preocupar com a recuperação na matéria.

Cheguei em casa já sabendo o que me esperava.

— Demorou, hein? — disse Fabrício em tom de deboche, jogado no sofá, com as pernas esticadas sobre a mesinha de centro, enquanto zapeava pelos canais.

Olhei pra ele, mas não respondi.

— Foi muito tiro, Fabrício. Só desci pra casa quando tudo ficou tranquilinho. — comentei, enquanto fechava a porta e a trancava em seguida. Fui direto para a cozinha, já abrindo as panelas em busca do que comer.

— Sua mãe foi fazer a feira, Beatriz. Não tem nada pra comer por agora. — ele gritou da sala, sem tirar os olhos da TV.

Fiquei brava, porque eu tava morrendo de fome. Fechei as panelas com força e resmunguei para mim mesma. — Mas na segunda eu comprei mistura pra mãe fazer!

Abri a geladeira, mas o vazio dela só aumentou a minha irritação. Bufando, fui pro meu quarto, já boladona.

(...)

Estudei um pouco, tentando ignorar o ronco crescente no meu estômago. Mas como saco vazio não para em pé, deitei na cama com uma baita dor de cabeça. Tudo de fome.

Fabrício bateu na porta e, sem ânimo, eu disse. — Entra.

Ele abriu a porta devagar, se apoiando no batente enquanto abotoava a camisa.

— Vou sair e volto logo — disse ele, ajeitando a gola. — Por favor, lava aquele banheiro e passa um pano na sala antes de eu voltar.

Revirei os olhos e fiz joinha sem nem olhar para ele.

— Tô falando sério, Beatriz. Não quero encontrar aquela zona quando voltar. — ele insistiu, antes de sair, fechando a porta com mais força do que o necessário. Pouco tempo depois, ouvi ele saindo de casa.

Minha mãe foi morar com ele quatro meses depois da morte do meu pai. Eu tinha dez anos quando isso aconteceu.

Ele sempre foi legal. Nunca me olhou de outro jeito, nem nunca encostou um dedo em mim. Me respeitava.

Mas o bagulho é bem diferente com minha mãe. A primeira vez que ele bateu nela, eu tinha doze anos. E desde então, nunca mais vi ele como antes.

A cada dia que passava, ele ficava mais abusivo, e minha mãe não enxergava, ou não queria enxergar, o filha da puta que tinha dentro de casa.

Deixei os pensamentos irem embora e, aos pouquinhos, fui caindo no sono.

Se passaram quatro horas, mané! Se tivesse passado esse tempo todo estudando, era lucro.

Curti um pouco de preguiça, mas logo saí do quarto. Ainda estava com fome.

Voltei pra cozinha e achei biscoito dentro do armário. Passei manteiga neles e ia comendo uns para enganar a fome, quando ouvi a porta da sala se abrir. Fabrício estava de volta, mais cedo do que eu esperava.

— Ei, Beatriz! — a voz dele me chamou antes que eu pudesse fugir de volta pro quarto. Me virei, ainda com a boca cheia de biscoitos.

— O que foi? — perguntei com a voz abafada, enquanto limpava as migalhas da boca.

Ele franziu as sobrancelhas, claramente irritado.

— Eu não mandei você lavar aquele banheiro e passar um pano na sala? — ele cruzou os braços, esperando uma resposta.

KairósOnde histórias criam vida. Descubra agora