nove

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Santos
Domingo foi bem chatinho. Passei o dia todo na cama com uma ressaca do capeta. Fui dormir era umas três da tarde. Acordei era oito da manhã de segunda.

Pô, acordei e já fui tomando banho, escovando dente, pegando arma e descendo lá pro pé do morro.

Cheguei lá e Reis tava com a maior marra do mundo de braços cruzados.

— Opa opa. Fala tu paizão! — fiz toque com Reis.

— Pô viado, olha a hora que tu chega! Ó, GK tá na neurose lá em cima. Fica aqui um pouco e depois vai pra lá.

— Ata, quando é problema eu que tenho que ir resolver. — fiz joinha — Jae, jae. — me sentei na calçada com minha arma na cintura sempre.

Fiquei olhando o movimento da rua. Cheio de morador indo pro trabalho ou voltando pra casa e turista que vem saber como é a vida de neguinho aqui dentro da favela. Querendo ou não, Rocinha é ponto turístico.

Radinho apitava toda hora. Cuido de três bocas e de vez faço plantão. Bandido rala muito!

Minha mãe engravidou de mim quando tinha catorze anos. Com dezesseis teve Nayara, com vinte teve a Evelyn e com vinte e nove fechou a fábrica com o Thiago.

Dona Rosa uma rainha, guerreira pra caralho. Criou nós quatro tudo sozinha!

Antes de ter a Evelyn, ela trabalhava de cabeleireira. Me deixava na escola e a Nayara na creche.

Quando descobriu a gravidez, ela trabalhou até o último dia que conseguiu. Mas ai, tirou licença e não voltou mais porque foi demitida.

Só que ela sempre conseguia emprego rápido. Quando Evelyn tinha dois anos, Nayara seis e eu oito, ela começou a trabalhar de empregada doméstica lá no Leme.

Ela saia cedo de casa e voltava tardezão. Então eu comecei a ter responsabilidade pelas duas meninas.

Antes de ir pro serviço, minha mãe deixava Evelyn na creche e eu mais Nayara íamos sozinhos pra escola.

Eu e Nayara estudávamos meio período, então a gente era liberado meio dia e meia. A gente ia pra casa e almoçava. Quando era cinco e pouco da tarde, eu ia buscar a Evelyn.

Dava a janta, banhava, arrumava a casa, colocava Evelyn pra dormir. Ela dormia umas oito horas, por ai. Minha mãe chegava meia noite. Nesse tempo, eu e Nayara colocava a cara nos livro e estudava.

Eu era moleque bom. Era estudioso, bonzão em matemática. Nayara era boa em tudo, cara. Ela que me ajudava nos deveres às vezes.

Quando eu fiz quinze, minha mãe engravidou de novo. E aquela história se repetiu, saiu pra ter neném e não voltou mais.

As coisas apertaram em casa e eu que comecei a trabalhar. Nayara queria também, mas eu fiz ela focar no estudos. Se não eu pra ter futuro digno, ela!

Acordava às quatro da matina e ia vender biscoito globo pelas praias do Rio. Rodava por aí tudinho. Leblon, Leme, Copacabana, as porra tudo.

Só que não ganhava bem. Então resolvi fazer o quê? Ganhar um dinheirinho fácil!

Mas, vida no crime tem plano de carreira.

Os 'menó começam como aviãozinho. Recebem uma boa grana pra trazer e levar recado, refrigerante, esse tipo de coisa. Depois, passam pra olheiro. Quando os bota pia, a pipa desce no céu ou soltam fogos e todo mundo sai saindo, evitando uma troca com os polícia. Daí, o cara passa pra vapor, vendendo a droga pela favela. Pintou sujeira, o vapor tem que evaporar rapidinho. Soldado é um cargo mais responsa, ele fica na contenção. E se o cara for ligado nas coisas e bom de conta, pode virar gerente da boca.

KairósOnde histórias criam vida. Descubra agora