Javon lavou o rosto ensanguentado na pia. Mesmo horas após a luta, o machucado continuava sangrando; ele não sabia como.
— Você tá bem aí? Sério, abre a porta. - Nathan pediu do outro lado.
Javon não respondeu. Apenas continuou olhando para o reflexo ensanguentado do espelho, esperando que a resposta se revelasse sozinha. Nathan desistiu . Deu alguns passos para trás e foi para a cozinha.
— Vou fazer algo pra gente comer. - A voz de Nathan se dissipou pelo corredor.
O gosto metálico do sangue ainda persistia na boca, mas ele já estava acostumado com essa sensação. O que mais o incomodava era a sensação de fracasso, isso queimava mais forte do que qualquer dor física. Javon mordeu o lábio, não queria que Nathan visse aquela versão dele – a versão perdedora. Ele treinou meses para a luta de hoje e perdeu. Decepcionou seu pai e a equipe, e mesmo que eles nunca admitissem isso, era visível em seus olhos, pelo menos no do pai. Ele se perguntava se Nathan também se decepcionara, e deu a isso uma importância especial que não queria admitir. Lavou o rosto mais uma vez e saiu do banheiro, sem olhar para o reflexo do espelho.
Foi até a cozinha e se escorou na parede, vendo Nathan fazer dois mistos-quentes.
— Pensei que o queijo tivesse acabado. - Javon falou com os olhos piscando entre o chão e Nathan.
— Acabou. É só pão e presunto.
— Tá bom...
— Então... - Nathan colocou os sanduíches na chapa e, depois de uma breve pausa, lançou a pergunta que Javon temia - Você está bem? Foi meio intenso, né?
— Nada que eu não tenha passado antes. - Javon murmurou, a voz rouca, tocando no machucado sem pensar. - Você ficou decepcionado?
— Claro que não. Você lutou super bem. - Nathan disse dando os ombros, sentindo o cheiro dos pães começando a assar.
— Acha mesmo? - Javon sorriu por um segundo, mas desfez antes que Nathan percebesse.
Nathan tira os pães cuidadosamente da chapa e os coloca em um prato. Ao se virar para Javon, vê que seu rosto estava dez vezes pior do que antes, quando ele se trancou no banheiro.
— Meu Deus, parece que você foi atropelado. - Nathan tentou tocar no hematoma, mas Javon recuou, afastando o rosto.
— Não precisa se preocupar. Eu consigo cuidar disso. - O lutador respondeu impacientemente.
— Cala a boca. - Nathan retrucou sem raiva, mas com firmeza, analisando os ferimentos. O amigo estava com um corte feio aberto acima da sobrancelha e uns arranhões na bochecha.
Javon revirou os olhos, afastando a mão de Nathan rapidamente.
— Não precisa fazer isso. — Ele murmurou, o desconforto crescendo.
Nathan não respondeu de imediato. Ele apenas focou no ferimento, ignorando o que Javon dissera.
— Tô falando sério. -Javon insiste.
— Você tá todo arrebentado, cara. Acho que a gente tem que ir no médico. Isso tá sério. - Nathan fala.
— Tá louco? Claro que não. - Javon tira a mão de Nathan do seu rosto novamente. Nathan se assusta. - Boxe é assim mesmo. Eu não estou lá pra receber massagem. Eu lutei e perdi. É assim que funciona. Acontece. Eu também não preciso de babá. Eu tô de boa.
Nathan o olhou por alguns segundos, de braços cruzados, processando tudo que Javon falou. Não estava magoado nem triste. Apenas se surpreendeu com a rápida mudança de comportamento. Entendeu que não era sobre ele ou o machucado, mas sobre a derrota. Era sobre a pressão do pai, da mídia e dos ataques que ele recebeu desde o inicio da carreira como lutador. Aquilo era sobre o ego dele, e sobre como esse ego não tem sido amaciado ultimamente.
— Olha, eu não sei o que você quer ouvir de mim, mas eu tô aqui, cara. - Nathan disse com a voz baixa e direta. - Eu me importo com você, que você goste disso ou não. Deixa de cabeça dura e deixa eu cuidar disso.
Javon piscou, engolindo seco. As palavras que ele precisava ouvir e não sabia finalmente foram ditas, e ele não sabia como reagir. Decidiu ceder a Nathan. Quebrou seu ego pela décima vez hoje.
— Tem um gaze e curativo no kit, embaixo do balcão. - Javon disse quase sussurrando. Nathan se abaixou para pegar.
— Qual porta?
— À esquerda, debaixo do jogo de talheres.
Nathan pegou a caixa com alguns remédios, gaze e curativos. Ele tirou um curativo da caixa e se aproximou de Javon. O lutador sentiu o calor aumentar em sua pele quando Nathan chegou mais perto, o toque próximo ao seu rosto trouxe uma tensão que ele não sabia lidar.
— Você limpou direitinho o ferimento? - Nathan perguntou com a voz suave. Javon assentiu, olhando no fundo dos seus olhos. - Quantas vezes?
— Duas. Quando eu estava no banheiro.
Nathan se preparava para colocar o curativo quando Javon tentou interromper, um gesto rápido e inseguro.
— Deixa que eu coloco. - Javon tentou sugerir, mas foi ignorado por Nathan, que cobriu a ferida delicadamente.
Nathan o ignorou, concentrado, e cobriu a ferida delicadamente. O toque suave, quase cuidadoso demais para a brutalidade da situação, fez Javon prender a respiração por um momento. Quando Nathan abaixou a mão e seus olhares se cruzaram de novo, o ar ficou pesado entre eles.
— Eu... - Javon começou, a garganta apertada, as palavras fugiram. Ele não queria soar fraco. - Obrigado por cuidar de mim.
— Não é isso que os amigos fazem? - Nathan respondeu, sorrindo.
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𝗙𝗜𝗚𝗛𝗧 𝗖𝗟𝗨𝗕 - Javon Walton | Gay
Hayran KurguApós a derrota de uma luta, Javon e Nathan se aproximam de uma forma inesperada. Agora eles tem que arrumar um jeito para lidar com o que estão sentindo - sem estragar a amizade.