Kageyama tem um zíper na boca

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Em 2012, Kageyama teve a primeira oportunidade de dizer que o amava.

Faz muito tempo, durante aquele intercolegial do primeiro ano que eles nem passaram das oitavas de final. Mas é onde Hinata ganha sua primeira partida oficial jogando pelo Karasuno. Não importa se foi ridiculamente fácil comer o adversário vivo até porque, lembre-se, é a primeira vitória oficial de Hinata Shouyou. Então ele sorri até suas bochechas doerem, chorando igual uma criança.

Hinata pontua que ganhar é a mesma coisa que comer açúcar: é doce e viciante. Ele gosta disso. Daichi e Suga incentivam esse tipo de açúcar na dieta dele. De canto, Noya e Tanaka se aproximam para uma dança da vitória, a que Tsukishima detesta, com direito a gritos e muito chiado de borracha escorregando na quadra. Hinata ri quando Asahi enfia a mão no cabelo dele, igual um tio descolado, e diz que ele jogou bem. Shouyou funga e olha ao redor. Ele sente, com uma alegria avassaladora, o cheiro de spray gelado e ardido.

É bom fazer parte de um time, afinal.

Mas falta alguém.

Ele vira a cabeça para a mesa de garrafas d'água e encontra os olhos de Kageyama, que já estava olhando para ele. É um olhar pouco cansado, tremulando conforme Tobio ofega, mas ainda há um azul intenso que comunica "Prepare-se para a próxima rodada".

Shouyou pisca com os joelhos mais doloridos que o normal. Não parece impedimento, no entanto, para sorrir bonito e andar até ele. A quadra faz barulho a cada passo arrastado que Hinata dá. Seus ombros estão caídos e há uma toalha em volta do seu pescoço. Ele está expectante, claramente aguardando um parabéns. Uma estrela dourada na melhor das hipóteses.

Tobio, no entanto, fica calado. Ele acredita que Hinata deva saber que seu silêncio é o parabéns perfeito.

Acontece que Kageyama, na verdade, nunca verbaliza nada relativamente positivo a ele, com exceção dos rápidos que dão certo. Ele vive a favor de colar cada erro grotesco de Shouyou no mural de avisos da escola. Geralmente vem acompanhado de "idiota", para dar mais efeito.

Mas, nesse momento, Hinata tem um olhar eufórico e adorável que grita 'Você viu o nosso rápido? Ganhamos!' e 'Somos ótimos juntos, Kageyama! Diga isso!'.

Aquilo o faz engolir em seco, dando um passo para trás por instinto. Não adianta nada, porque Hinata ri e dá outro passo à frente.

Eles estão próximos, com Shouyou praticamente respirando o ar que sai da boca de Kageyama. Há um gosto quente mentolado, misturado com cheiro de suor e desodorante masculino. Hinata, em milésimos, fecha os olhos para sentir. Ele reconhece o desodorante. Kageyama vira e mexe o empresta no vestiário e ainda por cima tem um estoque disso no banheiro de casa, na terceira gaveta embaixo da pia.

Hinata, que dormia lá quando ficava tarde demais para subir à montanha depois do treino extra, sempre reclama que o puxador da gaveta do estoque de desodorante está quebrado. Ele pede a Kageyama para consertar da forma mais mesquinha que consegue, e quando Kageyama ameaça expulsá-lo de casa, os dois se enrolam em uma briga no chão. Sempre é divertido.

Na quadra, Hinata passa os olhos nele. Kageyama está suado. As pontas do seu cabelo estão enroladas atrás da orelha, meio coladas na testa e escondendo aquele franzir que faz Shouyou rir. Seu rosto está brilhante e o suor desce lentamente para o pescoço. Chegando aos ombros, Hinata não é discreto.

Perto, respirando bem ali, é óbvio que Tobio tem ombros largos e bonitos. O uniforme cola naquela pele suada, Hinata também percebe, porque acompanha perfeitamente o relevo do peito subindo e descendo.

Inconscientemente, Kageyama morde o interior da bochecha. Ele não é cego e sabe exatamente o que Shouyou está fazendo. A parte engraçada é que ele gosta.

Kageyama se sente maravilhado toda vez que Hinata é idiota daquele jeito, gritando para os quatro cantos do mundo que Kageyama é um tipo de deus, sendo que o real deus da questão é Hinata Shouyou. Kageyama iria à missa, pagaria-lhe o dízimo e rezaria todo domingo por ele, se pudesse.

Ele aprendeu que o ar que lhe falta por um motivo. Que suas bochechas não se mancham de rosa à toa. Porra, é claro que o mundo fica lento demais quando Hinata dá uma risada gostosa, ou quando ele inclina o corpo para o bebedouro e volta com a boca molhada.

Nessas horas, Kageyama, por uma razão bem óbvia, enlouquece quando vê o filete de água escorrendo pelo queixo dele, raspando em fios finos que não têm lugar certo para crescer. Ele jamais teria a oportunidade de secar, tocar ali, porque as costas das mãos de Hinata sempre são mais rápidas.

Então, em algum momento, Kageyama compreendeu que está apaixonado.

Agora que Hinata pisca aqueles cílios completamente ruivos em câmera lenta, Kageyama quer xingar.

Ele o ama.

Ele poderia dizer isso agora, se quisesse.

Mas, igual aos próximos anos, Kageyama não fala nada.

Borboletas Sempre Voltam (KageHina)Onde histórias criam vida. Descubra agora