Capítulo 1- Wednesday Addams

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  A luz fraca da manhã atravessava as cortinas, lançando sombras suaves sobre a mesa do café da manhã. Eu me sentei em frente ao meu pai, o silêncio entre nós era quase palpável. A mesa estava posta com pratos e talheres que pareciam ter perdido sua cor natural, como se também estivessem carregando o peso da tensão.

  Meu pai olhou para mim com uma expressão que não admitia discussão. Ele começou a falar com seu tom sério e autoritário.

  — Wednesday, você já pensou na proposta que fiz? Trabalhar na empresa da família seria um grande passo para você. No futuro, poderia até assumir os negócios. É o que Pugsley faria se estivesse aqui.

  Tentei me concentrar na xícara de café à minha frente, mas as palavras dele eram como um eco constante.

  — Eu não quero seguir os passos dele — respondi, com a voz firme, tentando não deixar transparecer a frustração que sentia.

  Meu pai franziu o cenho, o desprezo evidente em seu olhar.

  — Nunca será como Pugsley. Ele era o filho que eu esperava que seguisse com a empresa. E você, você não só fracassou em seguir seus passos, como também causou a sua morte.

  Senti meu peito apertar com suas palavras. Era como se cada frase fosse um golpe direto. Tentei respirar fundo, mas a dor e a culpa eram intensas.

  — Pugsley morreu por causa de você — continuou ele, sem misericórdia. — Se não tivesse insistido em ir naquele maldito passeio, ele estaria vivo. Agora, a empresa está em ruínas e você não faz nada para ajudar.

  Aquelas palavras se cravaram em mim como facas afiadas. Eu sabia que a morte de Pugsley não era culpa minha, mas meu pai parecia determinado a fazer com que eu acreditasse nisso. Engoli em seco e me levantei da mesa, a dor e a raiva tumultuando dentro de mim.

  Eu não queria ser a pessoa que ele esperava que eu fosse, nem carregar o peso da culpa que ele me impunha. Eu precisava encontrar meu próprio caminho, longe das sombras que ele insistia em lançar sobre mim.

  Saí da sala de café com raiva fervendo nas minhas veias, sem me preocupar em fechar a porta com cuidado. Cada palavra do meu pai ecoava na minha mente, tornando a raiva quase insuportável. Eu precisava de uma fuga, algo que me afastasse daquela casa e daquele homem que parecia incapaz de entender quem eu realmente era.

  Corri até a garagem, onde minha moto estava estacionada. Ignorando o frio da manhã, subi na moto e liguei o motor com um rugido agressivo. Acelerei, sentindo o vento cortar meu rosto enquanto eu dirigia em alta velocidade. As ruas passavam rapidamente ao meu lado, mas minha mente estava focada apenas na necessidade de escapar.

  A raiva me cegava, e eu estava tão absorta em meus pensamentos que quase não notei a figura pequena e desajeitada na calçada. Uma garota, que eu não conhecia, estava ali, distraída e com um olhar distante.

  Senti o coração disparar quando percebi que estava prestes a atropelá-la. Pisei no freio com força, a moto derrapando e parando bruscamente a poucos centímetros dela. O barulho dos pneus e o cheiro de borracha queimada eram a única coisa que eu conseguia perceber além da minha respiração ofegante.

  A garota me olhou com uma expressão de choque, e então, com um gesto de irritação, mostrou-me o dedo do meio. Era a última coisa que eu esperava, mas a visão apenas aumentou minha frustração.

  Ri com ironia, tentando aliviar a tensão que ainda me consumia.

  — Ei, talvez você devesse prestar mais atenção nas ruas — eu disse, tentando não deixar transparecer o quanto ainda estava abalada.

  A garota revirou os olhos, mas não respondeu. Eu sabia que seu gesto não era realmente direcionado a mim, mas à situação absurda que eu tinha causado. Dei a partida na moto novamente, acelerei para longe, e a sensação de liberdade momentânea trouxe um alívio temporário, embora a dor e a frustração ainda estivessem comigo.

  Depois de acelerar pela cidade, finalmente cheguei ao estacionamento do meu prédio. Desliguei a moto e tirei o capacete, tentando deixar para trás a raiva que ainda pulsava dentro de mim. O prédio onde ficava meu dormitório parecia o único lugar onde eu conseguia um pouco de paz, longe do meu pai e das suas expectativas sufocantes.

  Subi os degraus rapidamente, e ao abrir a porta do quarto, encontrei Divina em frente ao espelho, se maquiando. Como sempre, ela estava impecável, com suas roupas estilosas e o cabelo perfeitamente arrumado. A luz do final da tarde entrava pelas janelas, destacando os detalhes de seu visual.

  Ela me olhou pelo reflexo do espelho e sorriu, sem tirar o pincel de maquiagem da mão.

  — Wednesday, vai se arrumar — disse Divina animada. — Hoje à noite tem a festa da minha fraternidade pra comemorar o novo semestre. Vai ser incrível!

  Eu revirei os olhos e joguei minha mochila sobre a cama, ainda sentindo o peso da manhã e da discussão com meu pai. A última coisa que eu queria era ir a uma festa, mas conhecendo Divina, ela não desistiria tão fácil.

  — Acho que vou passar — murmurei, jogando-me na cama e encarando o teto.
  Divina soltou uma risadinha, girando na cadeira para me encarar diretamente.

  — Você sempre diz isso. Mas eu não vou aceitar um "não" como resposta. Todo mundo vai estar lá, e você precisa se divertir um pouco. Relaxar, sabe?

  Suspirei, já prevendo que seria uma luta perdida. Divina era o tipo de pessoa que arrastava todo mundo para suas aventuras, e eu sabia que ela não pararia até que eu concordasse.

  — Vou pensar — respondi, tentando parecer indiferente, mas sabendo que no fundo eu acabaria indo.
  Divina sorriu satisfeita e voltou para sua maquiagem.

  Depois de alguns minutos de conversa, deitei-me na cama e fechei os olhos, tentando bloquear tudo por um momento — meu pai, as expectativas, até mesmo o convite insistente de Divina para a festa. O silêncio me envolveu, e por um instante, pensei que conseguiria esquecer o peso do que havia acontecido mais cedo. Mas a memória de Pugsley nunca ficava longe.

  Não sei por quanto tempo fiquei assim, mas, eventualmente, me levantei com um suspiro, sabendo que um banho talvez me ajudasse a clarear a mente. Fui até o banheiro do dormitório e, ao entrar, encarei meu reflexo no espelho. Tirei a camiseta e fiquei ali, parada, observando as inúmeras tatuagens que cobriam meus braços.

  Cada uma delas contava uma história. Cada linha, cada cor, era uma forma de marcar na pele o que eu não conseguia expressar em palavras. Eu nunca tinha planejado me tornar essa pessoa — a garota rebelde, cheia de tatuagens, dona de uma atitude que parecia incomodar tanto meu pai. Mas depois da morte de Pugsley, algo em mim mudou.

  Passei os dedos pelas tatuagens, lembrando da primeira que fiz logo após o acidente. Um pequeno desenho no pulso, quase insignificante na época, mas carregado de significado. Foi só o começo. Cada vez que eu entrava em um estúdio, era como se estivesse tentando lidar com a dor, a culpa, o peso que sentia nos ombros desde aquela noite.

  Pugsley. Ele tinha tanto futuro pela frente, tantos planos. Eu sempre pensei que ele seria o orgulho da família. Ele era tudo que meu pai queria em um herdeiro. E eu... eu nunca quis aquilo. Nunca quis a empresa, nem a responsabilidade. Talvez por isso meu pai sempre tenha me visto como uma decepção, e agora me culpava pela morte de Pugsley.

  — Talvez ele tenha razão — murmurei para o reflexo, uma sombra de dúvida atravessando minha mente.

  Balancei a cabeça, afastando o pensamento, e entrei no chuveiro. Deixei a água quente correr pelo meu corpo, esperando que pudesse lavar mais do que só a sujeira — talvez ela pudesse levar embora as lembranças e a culpa também. Mas sabia que, no fundo, isso nunca iria embora de verdade.

Rebel Hearts (Wenclair)Onde histórias criam vida. Descubra agora