Capítulo 7- Enid Sinclair

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  Eu não estava no clima para o luau. Todo mundo parecia animado, até Yoko, que passou a tarde comigo assistindo filmes e devorando doces como se o mundo fosse acabar. Agora, ela saiu para se arrumar e eu... me afundei no arrependimento. Sentia o peso de cada pedaço de chocolate, de cada bolacha.

  Sempre foi assim. Desde pequena, meu corpo sempre foi motivo de piada e repreensão. Principalmente pelo meu pai. Ele sempre dizia que, enquanto eu fosse "gordinha", ninguém iria me querer. E por mais que eu fingisse não ligar, isso me consumiu. Aos 16 anos, comecei a pular refeições, a vomitar depois de comer porcarias. Era a única forma que eu encontrava de me sentir no controle. Ninguém sabia. Nem podia saber.

  Hoje foi um daqueles dias. Exagerei. Cada pedaço que engoli agora pesava na minha consciência, como se cada caloria tivesse uma voz própria, me acusando. “Você não deveria ter comido isso, Enid”. E eu sabia o que precisava fazer para aliviar esse peso.

  Levantei lentamente, como se o simples ato de andar até o banheiro fosse a confissão de um crime. Fechei a porta, olhei para o espelho e senti um nó na garganta. A culpa. O desespero. Posicionei os dedos, pronta para fazer o que já havia feito tantas vezes antes. Um segundo de alívio, um ciclo que nunca parecia terminar.

  Mas, antes que eu pudesse agir, a porta do banheiro se abriu bruscamente. Wednesday estava ali, ela me olhava sem entender, um misto de dúvida e curiosidade brilhando em seus olhos, então seu olhar passa a ficar irritado.

  — Que merda você tem na cabeça, Enid? — A voz dela cortou o silêncio como uma lâmina afiada.

  Eu congelei.

  — Por que você tá fazendo isso, Enid? — Wednesday perguntou, a raiva ainda evidente na sua voz.

  As lágrimas já escorriam pelo meu rosto antes que eu pudesse detê-las. Eu queria gritar, queria que ela fosse embora. Tudo que eu precisava era ficar sozinha.

  — Vai embora, Wednesday — eu disse, tentando esconder o choro na voz, enquanto empurrava-a em direção à porta.

  Mas ela não se moveu. Ao invés disso, segurou meus braços firmemente, sem machucar, mas o suficiente para me impedir de fugir.

  — Me solta! — Eu tentei escapar, mas ela me puxou um pouco mais para perto, seus olhos firmes nos meus.

  — O que você tá fazendo aqui? — perguntei, a voz embargada, as lágrimas tornando tudo borrado. — Esse não é o seu dormitório.

  Ela me encarou por um momento, ainda segurando meus braços.

  — Eu estava te esperando pra gente ir pro luau. Bati várias vezes, ninguém respondeu, então eu entrei. E te encontrei assim! — A raiva em sua voz parecia misturada com algo mais profundo, algo que eu não conseguia decifrar. — O que você acha que tá fazendo, Enid?

  Eu não sabia o que dizer.

  — Eu sei muito bem o que você estava fazendo — disse Wednesday, sua voz firme, mas agora com uma ponta de suavidade. — Eu conheço esse transtorno, Enid. Tive uma amiga que passava exatamente pelo mesmo que você.

  Minhas lágrimas escorriam sem parar. Eu não conseguia encontrar palavras, só sabia chorar. Tudo que eu tentava esconder por tanto tempo, agora estava ali, exposto.

  — Você não precisa fazer isso — Wednesday continuou, ainda me segurando firme, mas sem agressividade. — Você é linda, Enid. Sério, você é muito gostosa e não precisa disso.

  Olhei para ela, surpresa, com o coração acelerado e o rosto encharcado. Aquelas palavras, ditas com tanta sinceridade, eram difíceis de acreditar. Mas, de algum jeito, vindo de Wednesday, pareciam verdadeiras, mesmo que por um segundo.

  Wednesday soltou meus braços devagar, e, com um toque delicado, começou a enxugar minhas lágrimas. Seus dedos eram gentis, afastando o rastro de tristeza do meu rosto, mas eu ainda me sentia exposta, frágil.

  — Vai, Enid, se arruma. A gente vai pro luau — ela disse com uma voz mais calma, como se tudo aquilo não tivesse acontecido.

Eu ainda estava envergonhada, o peso da vergonha e da culpa pulsando no meu peito, mas consegui apenas acenar com a cabeça em concordância.

  — Eu vou ficar te esperando no sofá — acrescentou Wednesday, enquanto se afastava em direção à porta. Antes de sair, ela me lançou um olhar firme, mas sem julgamento. — Sem pressa, tá?

  Quando ela fechou a porta atrás de si, senti um alívio misturado com constrangimento. Fui até o espelho, respirei fundo e comecei a me preparar, com o coração ainda acelerado, mas com a certeza de que, de alguma forma, não estava sozinha.

  Me arrumei o mais rápido que pude, pegando a primeira roupa que achei apropriada para o luau. Um vestido leve, solto, que sempre me fazia sentir um pouco mais confortável. Olhei para o espelho, mas, ao invés de me focar no reflexo, minha atenção foi para a imagem ao fundo: meu corpo. A insegurança veio como uma onda, mas respirei fundo, tentando afastar os pensamentos.

  Saí do quarto e encontrei Wednesday no sofá, exatamente como ela disse que estaria. Assim que me viu, ela se levantou rapidamente, seus olhos me observando com uma intensidade que me fez corar.

  — Vamos? — Ela disse, um leve sorriso no rosto, sem mencionar mais nada sobre o que tinha acontecido antes.

  Assenti, ainda um pouco envergonhada, e seguimos em direção ao carro de Wednesday. Ela abriu a porta para mim como se fosse a coisa mais natural do mundo. Entrei no carro em silêncio, e logo depois ela seguiu para o banco do motorista. As luzes da noite começaram a passar pela janela enquanto nos afastávamos do dormitório, e, por um instante, senti que talvez, só talvez, as coisas pudessem ficar um pouco melhores.

  Com o silêncio no carro, e já me sentindo um pouco mais tranquila, decidi fazer algo para testar Wednesday. Levantei meus pés devagar e os coloquei no painel do carro, esperando ver qual seria a reação dela. Para minha surpresa, ela apenas olhou de relance e, sem dizer nada, ignorou completamente. Isso me fez sorrir de leve.

  Decidi quebrar o silêncio.

  — De onde você vem, Wednesday? — perguntei, curiosa. — Já reparei que você tem um sotaque carregado.

  Ela lançou um breve olhar para mim antes de voltar a atenção para a estrada.

  — Nasci no México — respondeu. — Meus pais montaram a empresa deles lá. Mas, quando a empresa cresceu, eles decidiram vir para os Estados Unidos. Eu tinha sete anos na época.

  Eu fiquei surpresa. Nunca tinha imaginado que ela tivesse essa história.

  — E você gosta daqui? — perguntei, tentando manter a conversa leve.

  Wednesday deu de ombros.

  — É diferente. Mas eu me adaptei com o tempo. Não que tenha sido fácil, mas acho que tudo faz parte do que sou agora.

  A forma como ela falava, como se já tivesse passado por tanta coisa, me fez admirá-la ainda mais. Wednesday tinha essa aura de força e confiança que eu não conseguia ignorar.

  Desde a primeira vez que nos encontramos, quando Wednesday quase me atropelou, eu decidi que ficaria longe dela. Aquela primeira impressão foi o suficiente para me fazer odiá-la, ou pelo menos eu achava que sim. Ela era o tipo de pessoa que parecia sempre em controle, com uma confiança que me irritava e que, de alguma forma, fazia eu me sentir ainda mais pequena.

  Mas agora, algo dentro de mim ia contra aquela decisão. Não fazia sentido. Wednesday estava sempre por perto, em todos os lugares, como se o destino estivesse me forçando a lidar com sua presença. E mais do que isso, hoje... ela me ajudou. Ela viu meu pior lado, o lado que eu sempre escondi de todo mundo, e ainda assim ficou. Não apenas ficou, mas me olhou com uma intensidade que me fez sentir que talvez eu não estivesse tão perdida.

  Enquanto seguia o caminho, eu me perguntava o que tinha mudado. Por que ela? Por que agora? Wednesday, que eu tinha decidido odiar, agora parecia ser a única pessoa que realmente me enxergava, além das barreiras que eu mesma tinha construído. E, por mais que quisesse resistir, algo dentro de mim se suavizava cada vez mais na sua presença.





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