Gabi Guimarães 🇧🇷

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Era início de outono no Rio de Janeiro, e os ventos mais frescos começavam a afastar o calor intenso do verão carioca. Gabriela Guimarães, ou Gabi, como todos a conheciam, estava acostumada ao vai e vem do clima e às mudanças bruscas de temperatura. Mas não era só o clima que a mantinha em um estado constante de alerta. Desde que a temporada de clubes havia começado, sua rotina girava em torno de treinos intensos, jogos e mais treinos.

Naquele dia específico, Gabi tinha uma folga rara. Havia decidido visitar uma exposição de arte no centro da cidade, algo que sempre quis fazer, mas que raramente encontrava tempo. Pinturas e esculturas nunca foram algo que fazia parte de sua vida diária, mas o convite de uma amiga de longa data, Amanda, que havia se tornado curadora de museu, tinha despertado sua curiosidade.

Ao chegar na galeria, Gabi sentiu-se um tanto deslocada. Era um ambiente tranquilo, bem diferente do barulho da quadra, dos gritos de torcida e do som das bolas batendo no chão. O silêncio das salas preenchidas por arte a incomodava e acalmava ao mesmo tempo. A primeira exposição que encontrou era uma série de esculturas contemporâneas, mas não demorou muito para que algo, ou melhor, alguém, chamasse sua atenção.

Ao caminhar entre as obras, seus olhos pararam em uma mulher alta, com cabelos cacheados castanho-escuros e um ar concentrado enquanto observava uma peça de arte de perto. A mulher estava sozinha, segurando um pequeno caderno, onde ocasionalmente fazia anotações rápidas. Havia algo nela que prendia o olhar de Gabi — talvez fosse a aura de calma que contrastava com o próprio turbilhão interno de Gabi, ou talvez fosse a maneira como ela parecia ver cada detalhe da obra como se estivesse conversando diretamente com ela.

Sem perceber, Gabi acabou parando ao lado da mulher, tentando disfarçar seu interesse, mas incapaz de não espiar o que ela escrevia no caderno. A mulher percebeu e sorriu de canto.

"Ela te incomoda?" perguntou a mulher, apontando para a escultura à sua frente — uma peça abstrata, composta por fios de metal torcidos de forma caótica.

Gabi, pega de surpresa, gaguejou por um segundo antes de responder. "Não... só não entendo muito bem. Parece um emaranhado sem sentido."

A mulher riu, uma risada leve e sincera. "Talvez seja exatamente isso que a torna interessante."

Elas se entreolharam, e Gabi sentiu uma onda de curiosidade. Não era comum ela ficar intrigada por alguém tão rapidamente. "Gabi," disse ela, estendendo a mão.

"Ana," respondeu a mulher, apertando a mão de Gabi com firmeza. "Você gosta de arte?"

"Eu estou tentando," disse Gabi, rindo de si mesma. "É um pouco fora da minha zona de conforto. Sou mais acostumada ao vôlei."

"Ah, Gabi Guimarães, claro." Ana sorriu, mas não parecia aquela admiração que Gabi estava acostumada a ver quando as pessoas a reconheciam. Era mais um reconhecimento tranquilo, como se aquilo não importasse tanto. "Acho que eu também estou fora da minha zona de conforto quando se trata de esportes. Somos um bom contraste."

A partir daquele primeiro encontro casual, uma conexão inesperada começou a se formar. Ana era uma artista plástica emergente, cujo trabalho começava a ganhar notoriedade no circuito carioca. Seus quadros e esculturas refletiam uma abordagem única: a interação entre o caos e a ordem, entre o que está visível e o que está por trás da superfície. Para Gabi, tudo aquilo parecia um mistério completo, mas havia algo em Ana que a fazia querer mergulhar mais fundo nesse mundo.

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As semanas se passaram, e Gabi começou a passar mais tempo com Ana. Inicialmente, elas se encontravam casualmente — um café aqui, uma visita a outra galeria ali. As conversas fluíam de forma natural, e Gabi começou a perceber que, com Ana, ela podia ser quem realmente era, sem a pressão de ser "Gabi Guimarães, estrela do vôlei". Ana nunca a tratava como alguém especial por causa de sua carreira. Pelo contrário, parecia mais interessada em saber quem Gabi era fora das quadras, o que ela pensava, o que a movia.

"Por que você joga?" perguntou Ana em uma dessas conversas, enquanto as duas caminhavam pela orla, o sol se pondo no horizonte.

Gabi ficou em silêncio por alguns instantes. Ninguém nunca havia perguntado isso de forma tão direta. Todos sempre assumiam que a resposta era óbvia: porque ela era boa nisso, porque era uma campeã, porque seu país dependia dela. Mas Ana queria saber além disso.

"Eu jogo porque... é a única coisa que sempre fez sentido para mim," disse Gabi, finalmente. "É onde me sinto forte, onde sei que sou boa. Mas, ultimamente, tenho me perguntado se é só isso. Se eu sou apenas... a jogadora."

Ana parou de caminhar e virou-se para encarar Gabi. "Você não é só isso, Gabi. E está tudo bem não saber exatamente quem você é além disso. Acho que todos nós estamos tentando descobrir o que somos de verdade."

Gabi sorriu, sentindo uma leveza ao ouvir aquelas palavras. Havia algo reconfortante em estar perto de alguém que não esperava que ela tivesse todas as respostas.

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Com o passar dos meses, a relação entre elas foi ficando mais intensa. Não era apenas amizade. Gabi começou a perceber que os sentimentos que tinha por Ana iam além da simples admiração ou conforto. Havia uma atração silenciosa, um desejo que crescia a cada encontro, a cada troca de olhares, a cada momento de silêncio compartilhado.

Em uma noite, após uma exposição em que Ana havia mostrado uma de suas novas peças, elas se encontraram no apartamento de Ana para um jantar simples. O ambiente era aconchegante, repleto de obras de arte inacabadas e pincéis espalhados por todos os cantos. O cheiro de tinta ainda pairava no ar, misturado com o aroma da comida que Ana estava preparando.

"Você tem talento até na cozinha, hein?" brincou Gabi, enquanto observava Ana mexer nos temperos.

"Só estou tentando impressionar você," respondeu Ana, com um sorriso tímido.

Havia algo naquele momento que fez o ar parecer mais pesado, mais denso. As palavras não eram necessárias, e ambas sabiam que a dinâmica entre elas estava mudando. O silêncio, que antes era confortável, agora parecia carregado de expectativas.

Após o jantar, enquanto elas se sentavam no sofá, Ana se aproximou levemente. Seus olhos encontraram os de Gabi, e por um instante, o tempo pareceu parar. "Eu preciso dizer uma coisa," disse Ana, sua voz baixa. "Eu não sei o que você sente, mas eu... não consigo mais ignorar o que eu sinto por você."

O coração de Gabi acelerou, mas não de nervosismo. Era algo mais. Um reconhecimento silencioso do que ela também sentia, mas que tinha medo de admitir. "Eu também sinto isso," ela disse finalmente, sua voz suave. "Mas não sei o que fazer com isso."

Ana sorriu, um sorriso gentil e compreensivo. "A gente não precisa saber agora. Podemos simplesmente... deixar acontecer."

E então, sem mais palavras, Ana se inclinou levemente, e seus lábios tocaram os de Gabi. Foi um beijo suave, lento, como se ambas estivessem testando as águas, mas logo se transformou em algo mais profundo. Havia urgência ali, mas também uma ternura que Gabi não esperava. O mundo ao redor delas desapareceu, e tudo o que importava era aquele momento, aquele toque, aquela conexão.

Quando se afastaram, Gabi ainda sentia o calor dos lábios de Ana nos seus. "Isso não era algo que eu estava esperando," ela murmurou, sorrindo.

"Às vezes, as melhores coisas são as que a gente não espera," respondeu Ana, com um brilho nos olhos.

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Nos dias que se seguiram, Gabi sentiu como se algo dentro dela tivesse mudado. Ela ainda era a jogadora de vôlei dedicada, mas agora havia mais. Ela tinha alguém com quem podia ser ela mesma, alguém que a via como mais do que uma atleta, alguém que a fazia sentir que, fora das quadras, também havia beleza, caos e harmonia — assim como as obras de Ana.

E, por fim, Gabi percebeu que, assim como no vôlei, a vida também era feita de redes invisíveis que nos conectavam aos outros. E, com Ana, ela tinha encontrado sua rede mais forte.

One Shots - Vôlei Onde histórias criam vida. Descubra agora