12.T.S. Eliot e o fim da Escala

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"Deveríamos – dizia ele – diariamente ouvir ao menos uma pequena canção, ler um belo poema, admirar um quadro magnífico, e, se possível, pronunciar algumas palavras sensatas." – Goethe.

Thomas

Ter ficado surdo por alguns anos te dá algumas vantagens sobre as coisas à sua volta. Não é novidade para ninguém que seus outros sentidos ficam mais aguçados, mas, melhor que isso, sua percepção das coisas também muda consideravelmente. Exemplo: eu nunca mais vi a morte como o monstro descomunal que te rouba pessoas próximas que você gostaria que vivessem para sempre. O verdadeiro leviatã à espreita de todos os seus passos. Não. A morte é a certeza da vida. O ponto final de uma jornada passageira. Perder algo ou alguém é muito simples para a própria natureza das coisas.

O que não significa que eu não me importe. Mas quando seu mundo de repente se torna sem som, não importando o quanto você grite, você percebe como não tem o poder de escolha sobre muitas coisas.

Sempre que eu escrevia, a urgência de cada uma das palavras era a minha percepção de se estar vivo. Cada frase a mais, uma respiração pouco mais controlada. Tocar piano não era muito diferente, contudo, ter perdido a audição causou um alvoroço interno que muitas vezes só a escrita podia aplainar.

Escrever qualquer coisa, em qualquer lugar, às vezes é tentador. Só para saber se ainda surte os mesmos efeitos.

Volta e meia eu penso como seria se eu fosse o tipo de escritor adepto à diários. Haveria muito o que dizer sobre hoje.

Samuel decidiu abrir mão de todo o seu repertório de leitura poética para dar vida ao Charles Chaplin como distração para todas aquelas crianças inesperadas.

- A arte do improviso é dominada com muito gosto por aqui. – Alguém comenta em meio à risadas.

Todos nós ao redor observávamos a cena com gosto, mas a voz dessa pessoa em questão vem em minha direção. É Téo quem para ao meu lado.

- Feltrim, você não mudou nada.

Meu antigo colega de escola ruivo, Teófilo.

Quando éramos mais jovens, esse era o tipo de nome que infelizmente daria as pessoas motivo para piadas maldosas. Mas elas nunca duravam muito tempo porque, nele, o nome ficava mais descolado.

- Eu não posso dizer o mesmo. Piercing?

A fina argola colocada no seu nariz reluz à luminosidade do dia.

- Faz meu nariz parecer menor.

- Hm...não. Não faz não.

- Podemos falar do meu piercing em outro momento e entender porque chegou aos meus ouvidos que querem acabar com a Escala?

Sem rodeios. Entendi.

- Então ainda trabalha para o jornal?

Começo a caminhar na esperança de que ele me siga, de forma que eu possa encarar muitas outras coisas que não sejam o rosto inquisidor dele.

- Fielmente. Nós temos estado bastante ocupados com as informações da Lamartine que vem de todos os lados e que precisamos incorporar de todas as formas que um jornal é capaz de fazer. – Téo desabafa pesarosamente, mas de forma tão pomposa que acaba parecendo totalmente encenado. - Foi uma comoção bem turbulenta saber que vamos perder um ótimo acordo com antigos parceiros, Thomas.

- O acordo já não estava sendo o mesmo. – Disparo. – O jornal estava pedindo demais de um grupo que tem visões um pouco diferentes.

- Acha mesmo? Então o que devo dizer exatamente ao diretor de redação?

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