Prólogo

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"Não. Não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados." – A Hora da Estrela.

Thomas

Macabéa quebrando o máximo de coisas possíveis no apartamento da minha vizinha era tudo o que eu conseguia pensar enquanto esperava o táxi. Minha pequena gata angorá com seu instinto destruidor teve que ficar para que eu pudesse voltar para Siena.

Aparentemente transportar gatos em aviões nunca vai ser mais fácil não importa o quanto a tecnologia evolua. Pelo menos não para aquela bola de pelos temperamental. Ler "A Hora da Estrela" nesse meio tempo só me deu mais saudades de casa. Ou pelo menos do conforto de saber que eu não teria de fazer nada demais. Nada além do mesmo.

Agora seria tudo imprevisível.

Macabéa tinha acabado de ser atropelada (a do livro, no caso) quando vejo meu táxi dobrar a esquina.

Bem a tempo.

Assim que entro no automóvel e cumprimento o motorista, um senhor de meia idade com um bigode cheio e grisalho, começo a rabiscar algumas palavras.

Eu entendo a ansiedade de Macabéa. A gata. Entender a mente da personagem de Clarice seria toda uma outra história.

As pessoas acharam que um animal tranquilo e imperturbável se ajustaria melhor a minha própria ansiedade e mente inquieta, mas a verdade é que ter Macabéa como um pequeno reflexo de mim acaba sendo reconfortante. Somos almas irmãs, como diria Lucy Montgomery.

Eu mesmo custei a manter a calma deixando minha casa. Entrando no avião. Pisando mais uma vez em terras brasileiras. A cada hora que se passa, o momento de rever minha irmã se aproxima e realmente não queria que estar ansioso demais fizesse disso uma coisa ruim.

Amo Lorelai. É a melhor irmã que eu poderia ter. Amo mais do que livros antigos e chocolates amargos. E amo mais do que a vontade de não voltar para o grêmio, que é imensa.

O táxi me deixa em frente ao prédio no qual vou ficar e parte, me deixando com algumas malas e um sono imenso pesando nos olhos.

Assim que termino de colocar todas as minhas coisas no apartamento, ouço uma mensagem chegar que sei ser de Lorelai. Ignoro porque também sei que logo ela vai me ligar de qualquer forma. É exatamente o que acontece.

- Thomas?

- Desde 1999.

- Ótimo. É você mesmo.

- Caramba, você podia disfarçar um pouco o desapontamento.

- Você sabe muito bem porque estou assim. Não era para você me esperar no aeroporto?

- E te aguentar fazendo perguntas por quarenta minutos?

Olho para o relógio surpreso pois nem eu mesmo tinha me dado conta de que tinha ficado tanto tempo dentro daquele carro. Mas isso explica as quinze páginas de caderno usadas.

Ouço minha irmã suspirar do outro lado da linha. Sei que ela não está brava de verdade então decido provoca-la mais um pouco.

- Eu vou precisar de livros para me sentir em casa de verdade. Vai ter que me comprar alguns.

- Mais livros?!

- Quer uma dica? Ainda gosto bastante de Drummond de Andrade.

- Quer uma dica? Seja menos materialista. E me encontre no café que combinamos em uma hora.

Sorrio.

- Amo você.

- Amo você.

Deixo Macabéa, ou melhor, Clarice, junto de seus poucos companheiros que vieram junto na mala e troco de roupa.

Ah, o calor do Brasil.

Pouco compatível com a maioria dos meus casacos e suéteres, mas cá estamos.

Terminando de arrumar as coisas de maior importância me dou conta de que passei tanto tempo pensando em como sentiria falta da vida a qual me acostumei nos últimos um ano e meio, que não pensei na coisa como um todo.

É claro que eu sentiria falta de uma zona de conforto que me cercava por todos os lados. Mas por algum motivo foi muito fácil empacotar tudo quando minha irmã disse que eu tinha que voltar para Siena.

Eu não tinha tantas coisas para pôr em caixas, mas a rapidez não estava nisso. A rapidez estava na ansiedade de querer me sentir em casa num abraço ao invés de entre quatro paredes que se fecham sozinhas.

Isso tinha que ser uma ansiedade boa.

**

Poeta Das ManhãsOnde histórias criam vida. Descubra agora