|𝟎𝟏 𝐎 𝐂𝐨𝐦𝐞𝐜̧𝐨 𝐝𝐨 𝐅𝐢𝐦|

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O aeroporto estava cheio, mas ao mesmo tempo parecia vazio. O barulho das malas serem arrastadas, das pessoas a rir, das conversas e das vozes que ecoavam, o alto-falante que anunciava os voos – tudo isso era apenas um som distante, como estivesse debaixo d'água. Sentia-me isolada. Sozinha. Perdida.

Eu nunca pensei que sair do México fosse ser assim. Sempre imaginei que, se algum dia deixasse o país, seria de forma diferente. Talvez por uma escolha minha. Talvez porque por um motivo para ir, um sonho, uma oportunidade... Mas não. Eu estava a ir à força, a fugir do que restou de uma vida despedaçada. Fugir do vazio que ela deixou.

Parei no meio do aeroporto, as mãos a segurar com força as alças da mochila que já estava a começar a magoar-me os ombros. O chão de mármore sob meus pés parecia frio, quase como uma metáfora para o que sentia por dentro. O olhar fixo no painel de partida à minha frente mostrava "Roma", em letras brancas brilhantes. Um destino tão distante quanto irreal.

Roma. Itália. Não era como se nunca tivesse ido para lá antes. Na verdade, já tinha passado um verões inteiros em Roma. Lembranças difusas dos dias estendidos e das noites longas voltam à minha cabeça, lembranças de passeios pela cidade, do cheiro de café nas esquinas e das vozes italianas, que soavam familiares na época. Mas aquela viagem foi interrompida. Eu voltei para casa antes do previsto. Minha mãe... estava a começar a ficar doente naquela época. Eu nunca consegui voltar a Roma, tinha de ajuda-la.

E agora, estava a ir para ficar. Não como turista, mas como alguém a tentar recomeçar, tentar sobreviver.

Meu telemóvel vibrou no bolso, e tirei-o com um suspiro. Era uma chamada do Nicollas, meu irmão. A única pessoa com quem ainda sentia-me conectada, mesmo com toda a distância. Atendi imediatamente, sabia que provavelmente estava preocupado.

"Alô?"A minha voz saiu um pouco rouca, tento disfarçar o cansaço.

"Ei, sorellina." a voz de Nic soou do outro lado, familiar e reconfortante. "Como estás? Já no aeroporto?"

Eu fechei os olhos por um segundo, a tentar pensar em como responder a pergunta. Eu não sabia como estava. Perdida, talvez. Confusa. Mas tudo o que disse foi: "Estou. Pronta para embarcar."

"Vai correr tudo bem, ok?" Ele sempre é otimista. Era uma das coisas que mais admirava nele. Mesmo quando as coisas estavam a desmoronar, Nic conseguia manter uma calma que dava inveja. "Vais ficar bem connosco, ok."

"Eu sei." murmurei, embora não estivesse convencida. "E tu? Como estão as coisas por aí?"

"Bem, estou a morrer de saudade tuas" ele riu, e eu consegui esboçar um pequeno sorriso. "Ah, e a tua mota chegou em segurança. Já está na garagem."

A menção da mota trouxe-me um leve alívio. A minha Ducati, a única coisa que fiz questão de levar do México para a Itália. Um pedaço da minha antiga vida que não fazia questão de deixar para trás. "Que bom. Trata bem dela até chegar."

"Vai ser difícil resistir à tentação de dar umas voltas." ele brincou, sabia que ele não estava a mentir. Nic sempre teve uma paixão por motas, assim como eu. Talvez fosse uma das poucas coisas que herdamos do nosso pai.

Ri me. "Se arranhares a pintura, eu mato-te."

"Prometo que não toco nela até chegares." A voz dele ficou um pouco mais séria, como se estivesse a escolher as palavras com cuidado. "Vou buscar-te ao aeroporto, ok? Não precisas de te preocupares com nada. Quando chegares, estarei ai."

"Obrigada" sussurrei. Por um momento, senti um nó na garganta. Era bom saber que ele estará lá, alguém familiar no meio de tudo que estava a mudar tão rapidamente.

"Ei, Valentina... estás bem?" perguntou, sua voz suave, mas cheia de preocupação.

Hesitei. Estava quase a dizer "estou", como sempre fazia. Mas a verdade era que não sabia como estava. Então, apenas disse: "Vou ficar."

Ele ficou em silêncio por um momento, talvez a tentar encontrar as palavras certas. "Vais, sim. Qualquer coisa, estou aqui. Como sempre."

Sabia que realmente ele acreditava nisso. E talvez, em algum nível, também acreditava. Desligamos logo em seguida, e fiquei ali, a segurar o telemóvel por mais um tempo, a deixar a sensação da conversa acomodar-se.

O alto-falante anuncia o voo novamente. Senti um nó ainda mais apertado na garganta. Meus pés pareciam colados no chão. Sabia que tinha de ir. Mas uma parte de mim, não queria. Queria lutar contra o inevitável.

"Valentina, vais ficar bem." disse para mim , baixinho, como se a minha própria voz pudesse convencer-me. Mas nada parecia fazer sentido. Meus olhos ardiam, mas recusava-me a chorar ali, no meio do aeroporto. As lágrimas não traziam minha mãe de volta. Não mudariam o que estava a acontecer. Tinha de seguir em frente.

Com um último suspiro pesado, forcei-me a dar um passo à frente. Cada movimento parecia pesar toneladas. Minha respiração estava acelerada, meu coração batia rapidamente. Parecia que, a cada passo, estava a deixar um bocado de mim para trás. E, de certa forma, estava.

Não olhei para trás. Não porque não quis, mas porque sabia que, se fizesse isso, poderia não ter forças para seguir em frente. O México, com toda a sua confusão, era meu lar. Mas agora, precisava encontrar outro. Mesmo que fosse do outro lado do mundo.

Passei pelo controle de segurança, os olhos cansados passeavam pelas pessoas ao redor. Grupos de turistas, famílias unidas, casais a sorrir... e eu ali, sozinha. Sozinha com meus pensamentos, sozinha com minha dor.

Quando finalmente cheguei ao portão de embarque, sentei-me numa das cadeiras vazias. O metal frio do assento misturava-se com o frio que sentia por dentro. Peguei no telemóvel do bolso e, sem pensar, abri uma foto da minha mãe. Ela estava a sorrir na foto, seus olhos a brilhar de felicidade. Doía olhar para aquilo. Eu sabia que não estava mais ali, mas às vezes era mais fácil fingir que nada tinha mudado.

Fechei os olhos e deixei que as memórias viessem por um momento. As risadas, as conversas, os momentos que passamos juntas. E então, a última lembrança. Ela no hospital, pálida, e eu ali, sem saber o que dizer, sem saber o que fazer com aquilo tudo.

Apertei o telemóvel com força, quase parti o ecrã. A culpa consumia-me. Eu errei como filha.

A chamada final do voo ouviu-se pelo aeroporto. Era hora. Coloquei o telemóvel no bolso e levantei-me. Mais uma vez, respirei fundo. As portas do avião estavam à minha frente, e com elas, uma nova vida. Uma vida que não queria, mas que não tinha escolha a não ser aceitar.

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