A lembrança da voz da minha mãe era como um eco distante, sempre me puxando de volta àquela história romântica que ela me contava quando eu era pequena. Na época eu não compreendia toda a profundidade da tragédia, mas agora, à luz das minhas próprias cicatrizes, tudo parecia fazer um sentido cruel e amargo.
"Era uma vez," ela começava, enquanto eu me encolhia sob as cobertas, o brilho suave do luar iluminava seu rosto. "Um mago chamado Evan, ele era poderoso que possuía um dragão - uma criatura nascida da sua própria magia e pureza. Ele não conhecia o amor, não como a princesa o conhecia.
Eu me lembro de como ela acariciava meus cabelos, seu toque suave contrastando com a intensidade da história.
"A princesa Lírio, de coração puro, forte e que amava o mago com uma devoção cega, mesmo sabendo que ele não compartilhava seus sentimentos na mesma quantidade. Mas havia outro, um homem que era inimigo do mago. Ele não tinha poderes grandiosos como o mago, mas sua força e aura eram verdadeiras, um ódio que o consumia e o levava a lutar por reconhecimento, mesmo que a pessoa que ele queria não o visse."
A memória da voz da minha mãe me puxava de volta àquela cena, cada palavra cuidadosamente escolhida, cada pausa carregada de significado. Ela queria que eu entendesse algo mais profundo, algo que ainda não compreendia totalmente.
"Um dia, o dragão do mago foi solto para destruir um reino que estava no caminho de seus planos. A princesa, cega pelo amor, se colocou na linha de batalha, acreditando que poderia de alguma forma alcançar e proteger o mago e fazê-lo ter uma reputação melhor, mas ele não sabia que ela estaria lá. E foi aí que o destino traçou seus caminhos mais cruéis."
Eu imaginava o campo de batalha em chamas, o dragão, enorme e indomável, cuspindo fogo sobre o reino. E lá estava ela, a princesa, frágil e determinada, enfrentando aquela força devastadora com nada além de seu coração e esperança.
"O inimigo do mago, o homem por nome de Kayden, apareceu na batalha. Ele queria destruí-lo, mas ainda queria proteger a princesa de tudo aquilo. Com uma coragem desesperada, ele enfrentou o dragão. E, contra todas as probabilidades, foi ele quem derrotou a fera."
Por um momento, eu sempre sentia uma faísca de esperança nessa parte da história, como se tudo pudesse acabar bem. Mas a verdade era outra, mais sombria, mais complexa.
"O mago, no entanto, não sabia de nada disso. Ele só viu o corpo do dragão morto, e em sua ira e ódio cego pensando que seu inimigo tinha destruído sua criação, lançou uma magia tão poderosa que cobriu o campo de batalha em escuridão.
Quando a poeira baixou, ele viu o que havia feito... A princesa, o único ser que o amava verdadeiramente, estava morta, destruída pelo próprio poder do mago."
Eu nunca esquecerei a tristeza no olhar da minha mãe quando ela contava essa parte. Era como se a dor da princesa fosse real, como se minha mãe também tivesse amado alguém que nunca a viu de verdade.
"A tragédia," ela continuava suavemente, "é que o mago saiu como um herói. Todos acreditavam que ele havia derrotado o dragão para salvar o reino. E a princesa... ela foi esquecida, como se sua vida não tivesse sido importante."
Mas o que minha mãe me contou depois era ainda mais estranho e misterioso, algo que sempre ficou comigo como uma sombra.
"Após a morte da princesa, um jardim nasceu no local onde ela caiu. Um jardim dividido pelas quatro estações, onde as rotas mudam constantemente como um labirinto vivo. No centro desse jardim há uma árvore mágica. De dia, ela cresce, suas folhas brilhando como ouro à luz do sol. Mas, à noite, ela morre, seus galhos secando e quebrando sob o peso da escuridão, apenas para renascer novamente com o amanhecer."
O jardim era uma metáfora da própria tragédia, um ciclo de vida e morte, amor e perda, sempre se repetindo, sem nunca encontrar paz. Minha mãe nunca explicou o que o jardim significava exatamente, mas agora, à medida que a lembrança dela e da história se enredam em minha própria vida, eu entendo.
Aquele jardim era o símbolo da dor e do amor não correspondido, da vingança e da esperança, sempre mudando, sempre escapando, mas nunca, realmente, desaparecendo.
[...]
Os anos se passaram desde que minha mãe me contou aquelas histórias. O mundo em que eu vivia parecia, por vezes, tão distante da simplicidade que seus contos evocavam. Mas ao mesmo tempo, tudo o que ela me ensinou de alguma forma se conectava ao que nosso mundo havia se tornado - vasto, complexo, e cheio de segredos.No meu mundo, viajar entre dimensões não era normal, mas hoje é mais comum do que caminhar pelas ruas . Atravessar portais que nos levam a outras realidades tornou-se parte da vida cotidiana, algo quase natural. Cada dimensão tem suas próprias regras, seus próprios perigos, e suas próprias maravilhas. Criaturas mágicas que só se pode imaginar nos sonhos caminham por entre nós; algumas são majestosas e sábias, enquanto outras são ferozes e imprevisíveis. A magia é parte integrante da nossa existência, tecida no próprio tecido do universo.
Mas o que realmente define a vida aqui é o ٭𝐷𝐼𝐴 𝐷𝐴 𝐴𝑆𝐶𝐸𝑁𝑆𝐴̃𝑂٭. Todos nós nascemos com uma meta - sermos fortes o suficiente, inteligentes o suficiente, preparados o suficiente para passar pelo Dia da Ascensão. É uma espécie de rito de passagem, uma prova brutal e meticulosa. Aqueles que passam são aceitos na Academia do Império, um lugar de prestígio, onde aprendemos a dominar nossas habilidades, a lidar com as diferentes dimensões, e a entender as forças que regem o multiverso. Aqueles que falham [...]bem falhar não é uma opção para muitos de nós.
Na dimensão do Império, onde é uma escola também, as regras são diferentes. Embora o avanço tecnológico exista, a industrialização é proibida. O Império valoriza a pureza das dimensões, e qualquer forma de poluição é considerada um crime contra a ordem natural. Eles acreditam que a mágia e a natureza devem permanecer em equilíbrio, e o progresso desenfreado poderia destruir tudo o que mantêm intacto. Assim, a tecnologia naquele mundo é muito mais restrita e controlada.
O que torna tudo isso possível é o Sistema. Quando completamos 16 anos somos conectados a uma espécie de entidade mágica e tecnológica, o sistema. Ele nos guia e monitora, garantindo que possamos viajar pelas dimensões sem sofrer os terríveis efeitos colaterais que vêm com o atravessar dos portais. Sem ele, nossos corpos poderiam se distorcer, nossa mente se perder, ou até mesmo nossa essência ser diluída no vazio entre as dimensões. O Sistema não é apenas uma ferramenta; ele é uma parte de nós, crescendo conosco, evoluindo conforme adquirimos conhecimento e poder.
Mas o aspecto mais curioso é a divisão de Casas. Cada um de nós possui versões de nós mesmos em diferentes dimensões. À medida que crescemos e nos fortalecemos, somos agrupados com essas versões - outras "eu", outras pessoas que são nós, mas que viveram realidades paralelas. Algumas se tornaram guerreiras ferozes, outras sábias conselheiras, e algumas... algumas escolheram o caminho das trevas. Trabalhamos juntas, somos forçadas a entender essas outras facetas de nós mesmos, a nos organizar em grupos que reflitam nossas habilidades e falhas. É uma estranha cooperação com nossos eus divergentes, mas também uma forma de enxergar o que poderíamos ter sido, ou ainda podemos ser.Cada dimensão traz consigo seus próprios desafios e segredos. Algumas versões de nós podem ser nossas aliadas mais leais; outras podem ser nossas inimigas mais mortais. E todas, de alguma maneira, refletem as escolhas que fizemos e as que ainda podemos fazer.
Esse é o mundo em que eu irei me formar em Alquimia reversa- vasto, perigoso, e cheio de segredos. O que resta a nós, porém, é decidir como navegamos por essas infinitas possibilidades e qual destino escolheremos no final das contas.
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Acreditando em algo que nunca aconteceu
De TodoEm um mundo onde dimensões se entrelaçam e a magia é uma realidade palpável, uma jovem menina carrega o peso de um legado sombrio. Após a morte trágica da princesa, ela entra em uma academia do império, onde se depara com pessoas de sua vida passad...