Capítulo V -

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As gotas da chuva caem impiedosamente sobre Londres, e Nyx permanece próximo de uma árvore residente do denso bosque, respirando freneticamente, enquanto seu ferimento sangra. Sob a escuridão, se aproxima a retalhada silhueta escarlate, com a presença oscilando, como se fosse desvanecer da realidade em instantes.

— VOCÊ FALOU QUE EU IRIA LUTAR CONTRA MILITARES, NÃO CONTRA O AZRAEL! — sua voz grave parece sair rasgando da garganta toda vez que ele grita— VOCÊ POSSUI NOÇÃO DO QUÃO PODEROSO AQUELE ANJO É!? TODOS OS EXÉRCITOS DA TERRA PODERIAM SE JUNTAR CONTRA ELE E ELE AINDA VENCERIA! — e se aproxima do jovem, com passos velozes e desembainhando sua espada.

Nyx abaixa a cabeça e um encapuzado entra na frente dele. A silhueta escarlate retorna a sua forma original, tornando-se invisível aos olhos do jovem, e se retira do local. 

— Obrigado.

O encapuzado permanece em silêncio e oferece seu ombro de apoio ao Nyx, escapando com ele antes da chegada da Raven, sem perceber que o homem de cabelos brancos os seguem.

Perdendo os rastros que levam ao Nyx, Raven desiste de segui-lo e retorna ao laboratório. Vulcano apoia em sua foice e tenta se levantar quando a jovem chega, entretanto, se desequilibra e Azrael o segura.

— Não se esqueça que você possui limites, querido.

— Como ele sabia da minha deficiência? Eu a escondo até da minha família!

— Talvez algum demônio descobriu e contou para ele — responde Azrael — Se isso for verdade, os demônios já esperavam ou planejavam que vocês se encontrassem em algum momento.

— E quem era aquele gigante? — questiona Raven.

— Azazel, o demônio da ira e um integrante de um grupo especial da Maveth, que somente os servos mais competentes e confiáveis dela participam.

— E quem mais participa deste grupo?

— Exousía, a demônio do orgulho, a forma humana dela é uma adolescente baixa, possui longos cabelos negros e extremamente lisos, é cega e costuma utilizar longos vestidos de tonalidades escuras. Asmodeus, o demônio da luxúria, a forma humana dele é um homem alto, forte e esplendorosamente belo, possui cabelos escuros, curtos e lisos, e não tem um estilo de roupa muito definido, apesar de sempre utilizar tonalidades escuras e intensas. Por último, um humano que eu não sei o nome dele e utiliza o título “Príncipe de Roma”, ele possui quase dois mil anos e, todas vezes que eu o encontrei, ele vestia um manto negro com capuz e luvas.

— Como um humano poderia viver todo este tempo?

— Foi este “Príncipe de Roma” que tentou me assassinar?

— Ele utiliza rituais para obter a vitalidade de demônios, que morrem quando termina e aumentam a vida dele, além de receber a proteção da Maveth. E foi ele quem tentou assassinar o Vulcano.

— E Raven — diz Vulcano — Conseguiu alcançar a garota?

— É garoto.

— Daquele tamanho?

— Ele fugiu, mas, com o auxílio de meus aparelhos, consegui identificá-lo. O nome dele é Nyx Hawley, tem vinte e um anos, e é um ginasta de um circo próximo daqui.

— Ótimo — e se apoia na foice.

Antes que Vulcano tente se levantar, Raven se aproxima e o coloca em suas costas.

— Não seja tonto, você nem mesmo é capaz de mover sua perna, quanto mais de andar! Deixe que eu te carregue, o meu exoesqueleto me fornece força o suficiente para isso.

Os três voltam ao prédio em que estão estabelecidos, enquanto Nyx retorna furtivamente ao circo, desviando de todos em seu caminho, e entra em seu quarto. Ele tranca a porta e, arrastando a sua perna esquerda enquanto anda, procura artigos medicinais.

Nyx senta na cama e apoia sua perna no colchão. Ele suspende a calça no local do ferimento, deixando-o totalmente visível e observa-o antes de decidir como prosseguir.

— Quanta inteligência em uma pessoa só! É claro que iria dar certo abandonar uma vida tranquila e ser alvo do Estado inteiro apenas para procurar algumas respostas inúteis! Eu nem sou médico, não sou cientista, por que buscar futilidades por curiosidade? Pelo visto, também não possuo competência…

Nyx interrompe suas incontáveis reclamações quando a mão de uma “jovem” se aproxima e é estendida acima de seu ferimento — quase errando o local —, que é curado imediatamente.

— Por que você se preocupa como se as limitações humanas ainda valessem para ti? — sussurra a suave voz de Exousía, tentando dirigir suas íris peroladas aos olhos azuis de Nyx — Se você se machucar, eu cuidarei de ti. Se te atacarem, lutaremos por ti. Se procurarem por você, te esconderemos em nossos refúgios. Você não está sozinho, estamos contigo.

— Por que se importam tanto comigo? O que eu tenho de especial?

— Quem em três semanas desde que pegou um grimório pela primeira vez já teria feito tudo o que você fez? Nyx, você sempre foi um prodígio independentemente de qual fosse o assunto. A grandeza sempre te esperou, bastava somente que você a desejasse para alcançá-la.

— E se eu não a desejar?

— Você realmente não se importa com as respostas que procura ou apenas não se agrada de enfrentar as autoridades? Se for a segunda opção, as enfrentaremos por ti.

— A Alicia poderia não ter morrido?

— Você foi o responsável por isso, a morte dela é apenas consequência de sua negligência.

— Tá, só me deixe dormir agora.

— O Odysseus está trancado lá fora. E, você está tão acabado que se esqueceu da hora, Nyx? — ri — ainda são dezoito horas — sua presença desvanece da realidade.

— Nossa, é verdade! — diz, após raciocinar por alguns segundos e, depois de raciocinar um pouco mais, ele guarda os equipamentos médicos e destranca a porta, encontrando Odysseus no outro lado.

— Pegando chuva de novo? — suas feições, como sempre, aparentam ser de alguém que está prestes a cometer um homicídio.

— Não está tão frio lá fora.

— Você já está saindo demais ultimamente, não precisa fazer isso quando o tempo também estiver ruim — diz entrando, deixando Nyx na porta com os olhos arregalados.

— Novo hiperfoco.

— Qual?

— Coletar jornais deixados na rua e jogar no lixo.

— Você é estranho, só não mais do que quem ainda lê jornal — se senta em sua poltrona, após pegar um livro.

— Por isso eu demoro, é difícil encontrar algum jogado por aí.

— Meu melhor amigo prefere ficar com jornais do que comigo — sua voz é melódica e dramática.

— Você é carente demais — retorna para a cama e se deita.

— Não seria melhor trocar de roupas?

— Ah, verdade, mas irei tomar banho antes.

Não passa mais de uma hora e a chuva cessa. As negras nuvens desvanecem do manto celeste, restituindo à lua o brilho que ela havia perdido. O solo ainda está coberto de lama e mancha o sapato do homem de cabelos brancos, que caminha rumo à bilheteria do circo. Ele encontra o vendedor e o cumprimenta com a mais refinada cortesia, que somente um membro da realeza possuiria.

— Ainda há bilhetes para a noite de domingo?

— Amanhã?

— Sim.

— Somente restou os mais caros, que são destinados à alta nobreza.

— Eu desejo comprar quatro. Quanto custa?

— Sessenta libras cada — o homem entrega o dinheiro e o vendedor anota a compra — Qual seria o seu nome?

— Salomão — após anotar, o vendedor entrega o bilhete.

O Julgamento do Carrasco Onde histórias criam vida. Descubra agora