pequena

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vi um pequeno semblante a vagar 
por ruas ásperas e de breu, seus passos, lentos, a hesitar, 
todavia, o olhar firme resistiu. 
cansada, sem rumo, seguia, sem poder parar, o corpo tênue pela exaustão. 
via-se nela a persistir, num trajeto amplo e sofrido, pois há mais caminho a ser sentido. 

o semblante, firme e incansável; 
detectava intuitos para seguir o caminho. 
cada amanhecer a revigorava, enchendo-a de uma energia quase intangível, 
crença inabalável em anseios que, para tantos, existiriam impossíveis. 
acreditava nos seres com uma pureza rara; 
e avistava, com olhos intocáveis, o fascínio oculto do mundo. 
via encanto em mim, de modo que sua crença fruísse o talento de transfigurar. 
admitia em mim, talvez mais do que eu mesma abraçava, e isso me transfigurava, de certo modo, mais formidável. 

observava filmes de deslumbres, 
sentindo o coração aquecer, 
pois tudo ali sugeria verdadeiro, 
como se o extraordinário 
fosse a única verdade capaz. 
cada cena lhe sussurrava que o amor 
recheava seu coração, apesar dos fartos 
impactos que a existência havia cedido. 
era duvidoso continuar única 
após tanto, as cicatrizes eram cavadas, porém, nas entranhas, ainda vivia ela. 
até quando lhe revelavam que existia faltosa na sombra, ela sabia, no sossego, que a luz jamais a havia abandonado por inteiro. 

está cansada, há grande tempo segue por ruas esburacadas, sem sequer recordar por que continua a peregrinar. 
o anseio de seguir, de buscar, se dissipou como névoa ao sol, mas, ainda assim, seus pés se movem, como se algo oculto a empurrasse. 
chegou ao fundo do poço, suportando a terra fria envolver seu corpo, como se a própria escuridão a exigisse. 
esteve à beira de terminar tudo, de pôr fim a esse percurso custoso, e, por incontáveis vezes, originou em sua consciência cenários onde tudo acabava, onde o fim lembrava a única solução possível. 

não confia mais em nada, 
a doença invadiu sua natureza, 
furtando cada fragmento de si. 
apesar disso, há uma memória além, a de uma garotinha que ainda encontra-se aqui, 
ansiando por você. 
ela sussurra que vai passar, 
mesmo quando tudo parece sem esperança, mesmo quando existir dói demais 
e a saída parece inalcançável. 
decepcionada, uma por uma, as pessoas a rasgaram, ensinando-lhe que a dor era boa, que do sofrimento brotariam flores. 
porém, ela descobriu que não é assim, que o sofrimento apenas gera mais sofrimento, sem promessas de redenção. 
e, no entanto, essa garotinha continua à sua espera, pronta para te abraçar, para te lembrar de quem você realmente é. 

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