de onde você veio e cicatrizes

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vejo em teus olhos o espectro distante de teu pai, 
como um eco nas profundezas de tua alma. 
em ti, anseia a vontade de fugir de sua sombra, 
romper os ciclos que ele criou, 
mas também persiste a necessidade de ser como ele, 
encontrar no seu olhar o reflexo de um afeto 
que, em pesadelos vividos, foi o ápice do amor que conheceste. 

sinto-me impotente. 
não posso salvar-te, não posso arrancar-te 
desse labirinto de repetições. 
meu íntimo clama por tua libertação, 
mas sou incapaz de romper as correntes que te prendem. 

tua mãe, ajoelhada, clamou ao vazio, 
marcando o pior dia de tua vida. 
desde então, teu coração se fechou, 
e as sombras da desconfiança te envolveram. 
prisioneiro da paranoia, confiar tornou-se um abismo; 
vítima das cicatrizes que te moldaram, 
permaneces acorrentado ao passado. 
estendo a mão, mas não alcanço onde te escondes. 

não te culpo. 
quisera ter o poder de transformar-te, 
mas minhas mãos não alcançam tua essência. 
quantas noites, em lágrimas, supliquei 
que me trouxesses alívio, 
mas o curso dos acontecimentos jamais se alterou. 
vejo tua boa intenção, 
porém, nada se modificará até que compreendas 
ser fruto das feridas que teus pais te infligiram. 
enfrenta esse fardo, expurga o que em ti se oculta 
nas profundezas de tua alma. 

assim, chora, derrama todo o teu ódio, 
cumpra o que o destino te impôs ou risque as linhas 
que te aprisionam.
chora, meu amor, 
chora como se o amanhã não existisse. 
aceita que vieste deste lugar, 
e que isso não é condenação. 
a dor não te forja em força; 
ela te metamorfoseia, 
e essa transformação é o que te torna verdadeiramente magnífico.

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