ecos da pequena eu

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perdoa-me, pois a pequena eu 
insiste em emergir, incontrolável, 
invocada pela mínima perturbação. 

sentia-se deslocada, 
as vestes sobre a pele formigavam 
com uma estranheza quase intolerável, 
como se seu corpo e o mundo 
estivessem em constante desarmonia. 

cada espaço percorrido a fazia encolher, 
tornar-se diminuta, invisível, 
desejando desaparecer da consciência 
e obliterar o fardo de mais um dia. 

os olhares alheios a trespassavam, 
como se sua existência fosse uma anomalia, 
uma distorção no tecido da realidade. 

o consolo então repousava nos alimentos, 
breves promessas de que, ao menos por um instante, 
tudo ficaria bem. 
mas a paz era efêmera, 
logo substituída pela reprimenda, 
e com ela o desejo de expulsar o excesso 
que agora a sufocava. 

a pequena eu retorna sempre, implacável, 
sussurrando que o amor é uma ilusão, 
que o vazio será sua eterna companhia. 

nas noites insones, a insuficiência 
preenche cada canto da mente, 
corroendo a confiança, 
fazendo-a acreditar que todos, inclusive você, 
se tornarão apenas memórias distantes. 

a pequena eu, sentinela do medo, 
aparece toda vez que o pavor de sua partida cresce. 

crescida sob o peso de dogmas, 
em templos de julgamento, 
carrega ainda a culpa de não corresponder ao padrão, 
de não ser o que esperavam, de ser outra coisa. 

riam de suas palavras, de seus gestos, 
todos estranhos à norma, 
e a deixaram à margem. 

e assim, a pequena eu volta para proteger, 
lembrar cicatrizes mal curadas, 
perguntar incessantemente se sua paciência se esgota, 
se seu afeto se dissipa, 
e pede desculpas, sempre, 
com um temor paralisante de ser abandonada. 

a relação com a comida moldou seu ódio 
pelo próprio corpo, 
e a dúvida é constante: 
será que, de fato, você a vê bela? 

há partes escondidas sob camadas de vergonha, 
despidas apenas na escuridão, 
onde o julgamento alheio não pode penetrar. 

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