Capítulo 6

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Nos dias que se seguiram à turbulência política, Kain descobriu o verdadeiro valor de ostentar uma patente de general. A tempestade de incertezas que o havia atormentado começou a ser aplacada pelo ritmo constante do cotidiano militar, pelo pulsar da rotina do acampamento que agora estava sob seu comando. Sua saúde física, antes bastante abalada pelo peso da responsabilidade inesperada, encontrava-se plenamente restabelecida, revitalizada por um novo senso de propósito.

Imerso no fluxo diário das atividades do acampamento, Kain passeava por entre barracas e parapeitos, banhado pela luz dourada do sol. A confusão inicial havia dado lugar à tranquilidade; a insegurança, ao equilíbrio. Sua patente lhe proporcionava não apenas respeito, mas também uma sensação de segurança e controle que ele antes não conhecia.

Agora ele era o general, o protetor, o mediador entre o caos e a ordem.

Ao perambular entre as fileiras disciplinadas de soldados, inspecionando o brilho metálico das armas, a tenacidade dos homens e a robustez das fortificações, seus olhos foram atraídos por uma estrutura que destoava da paisagem. Era uma cela, com barras de ferro grossas e imponentes que refletiam o sol de maneira cruel. Ali, açoitado pelo vento e banhado pela luz do dia, estava o símbolo do poder e da punição, um lembrete da disciplina e da ordem que regiam a vida no acampamento.

Dentro dela, isolado dos demais, estava Odäen Nailo, o monge careca que havia causado um tumulto na visita de Audus ao acampamento.

A imagem da pedra voando em direção ao visitante astoriano ainda dançava em sua mente, o eco de um caos iminente que ameaçava desmoronar a delicada dança diplomática. Impelido por uma mistura de inquietude e curiosidade, Kain se aproximou da cela, suas botas e armadura completa ressoando no chão de terra batida.

— Por que você fez aquilo, Monge? — inquiriu, deixando que a questão permeasse o ar entre eles. A seriedade em seu olhar fixo, aliada à imponência da sua patente, acentuava o peso da pergunta. — Eu estava... quer dizer, estávamos à beira de um precipício e sua ação quase nos fez despencar.

Odäen manteve-se em silêncio por alguns instantes, como se estivesse medindo as palavras que estavam por vir. Um reluzir penetrante e enigmático tomou seus olhos, como se ali estivesse encapsulada uma odisseia de experiências e memórias dolorosamente vivas. Um legado silencioso se desenrolava naquelas íris, contando uma narrativa complexa que parecia estar intricadamente ligada à linhagem dos elfos negros. Com um ar de solenidade perturbadora, ele se pronunciou, cada sílaba impregnada com uma energia palpitante, emergindo diretamente das profundezas de sua alma.

— General — a palavra saiu como um sussurro carregado de séculos de sabedoria e cautela. — Não se deve jamais depositar confiança nos elfos negros.

Inclinando-se levemente, Kain ouviu as palavras do monge.

Ele assimilou as palavras em silêncio, a gravidade em seu olhar refletindo a profundidade do aviso. A seriedade da afirmação se insinuou em sua mente, plantando a semente de algo que provavelmente persistiria.

— Entenda, Monge, que sua desconfiança e seu ato impulsivo em nada ajudaram nossa já frágil situação. Pelo contrário, você apenas tornou tudo ainda mais complicado.

A resposta de Odäen foi marcada por uma calma quase desdenhosa, um sorriso cínico iluminando o canto de sua boca. — Eu lamento se causei-lhe qualquer transtorno, General — admitiu, mas em seu tom havia mais regozijo do que arrependimento. — Entretanto, o lamento ainda maior é, na verdade, saber que errei o alvo.

Desconcertado pela franqueza do monge, Kain despediu-se com um aceno de cabeça e recuou da cela, um sorriso involuntário pincelando seus lábios. No entanto, antes de se afastar por completo, ele fez uma última promessa pairar no ar.

— Palomides está incumbido de lidar com a sua situação, monge. Aguardemos para ver como tudo se desenrolará.

Enquanto Kain caminhava de volta para sua tenda, o alívio por não ter que resolver cada detalhe, cada pequeno problema que surgia, preenchia o seu peito, como se a tensão estivesse, enfim, cedendo à tranquilidade.

Delegar era como uma arte, como dançar com uma parceira competente: deixar ela guiar alguns passos, orientar os outros, criando um balé meticuloso de controle e liberação. Tudo que precisava era uma pitada de supervisão, um olhar atento para garantir que o acampamento seguia em harmonia.

Na véspera, uma carta chegou, um presente precioso da embaixatriz Isabella. Com ela, veio o adiamento, um adiamento das reuniões tediosas, da diplomacia exaustiva, da trama política complicada. Por pelo menos um mês, Kain poderia se concentrar em outros aspectos, como afiar o exército para o que estava por vir ou dedicar-se à estratégia. Ele podia sentir um sorriso esboçando-se em seu rosto, um sorriso que cresceu ainda mais ao pensar na possibilidade do comandante Sourbonne retornar de sua ausência, seja lá onde ele tenha se enfiado.

Enquanto caminhava, ele se permitia absorver a beleza do acampamento sob o brilho dourado do dia, o vento fresco, típico dessa região de floresta no norte, oscilando entre as tendas e os homens, tornando a atmosfera leve e acolhedora. Kain, em suas vestes completas de general, parecia uma figura imponente, um líder verdadeiro.

Ele acariciou a armadura que envolvia seu corpo, sentindo o frio do aço contra sua pele. Havia um tipo peculiar de conforto naquela rigidez. Uma segunda pele forjada não só em metal, mas também em anos de experiências. Cada vinco, cada arranhão em sua superfície contava uma história.

Mesmo estando cercado por quase cinco mil homens, a presença fantasmagórica de seu passado o assombrava. Eram espectros silenciosos, sombras de conflitos antigos, lembranças dolorosas que eram o suficiente para manter sua vigilância afiada, independentemente de quantos estavam sob seu comando.

Nunca baixar a guarda.

Essa era uma lição que ele havia aprendido a duras penas, uma verdade inescapável que ele levava consigo, um mantra que ecoava em seu coração. Não importava o que acontecesse, Kain sabia que a segurança verdadeira era uma ilusão. Uma ilusão agradável, certamente, mas ainda assim, uma ilusão.

Assim, mesmo sob a luz benevolente do sol e a suavidade do vento, ele permanecia em alerta, o aço de sua armadura pesando em seu corpo, a sombra de seus fantasmas pesando em sua alma.

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